O Administrador da Dor - Parte 2
por Luís Vasconcellos em PsicologiaAtualizado em 18/03/2005 12:51:34
Qualquer pessoa poderá notar que fugir da dor e de qualquer tipo de desprazer é a prioridade principal. Qualquer um pode comprovar a presença, em sua vida psicológica, de uma função que se assemelha a um PROTETOR, sempre aparecendo em nosso pensamento como advertências, recriminações, ponderações e argumentos tidos como “absolutamente razoáveis e racionais”.
Instintos poderosos - que apontam a necessidade de garantir e sustentar nossa segurança e bem estar pessoais - estão por detrás desta função psicológica.
Um GUARDIÃO maduro e inteligente é bom a gente ter, mas este é democrático e tolerante...
Já um GUARDA é chato, intrometido, tenso e angustiado, pois teme sofrer, perder, ser derrotado, ser morto e, em assim sendo, se resguarda demais e acaba enredando o viver do seu protegido – no caso, nós mesmos - em uma teia de inseguranças e de temores considerados então como “os mais justificados”.
Quando se fala sobre o ADMINISTRADOR DA DOR é bom lembrar que ele se instala quando nos expomos a situações que nos “derrubaram” ou nos “venceram”, especialmente na infância, no sentido de que acabamos sentindo vergonha, inadequação, medo, ameaça, diminuição da auto-estima e assim por diante.
Naturalmente, passamos a administrar o futuro e o presente com o propósito explícito de evitar a repetição do passado que foi doloroso - donde se compreende a origem do nome que estou dando a esta função psicológica.
Muitos verão aqui uma alusão aos traumas, mas quero dizer que além de, sem dúvida, traduzir traumas e situações dolorosas típicas, ele também se instala diante de situações repetitivas e comuns, desde que estas sistematicamente prejudiquem o equilíbrio natural e afastem qualquer possibilidade de uma harmonia interior.
Estas situações podem se instalar mesmo sem qualquer experiência traumática; aos poucos, quase sem serem notadas, desde que representem uma prática comum e corriqueira – mesmo que doentia ou desequilibrada - mantida pelo meio e pelas pessoas com as quais vivemos e nos desenvolvemos – em especial nas experiências com a família, escola, amigos de infância e assim por diante.
O ADMINISTRADOR DA DOR é muito zeloso de seus investimentos e, nele, toda ação é tomada para atingir algum objetivo ou ganho pessoal. Nele tudo depende (do controle e manipulação dos resultados, ganhos e vantagens), de modo que ele não dá um passo sem pensar no que vai ganhar com isto, sem avaliar se vai dar certo; agindo geralmente de forma convencional na crença de controlar as probabilidades de sucesso e tentando garantir que estas estejam todas controladas ou, ainda, procurando saber se temos em mãos todos os meios de fazer as coisas:
1-Darem certo
2-Do nosso jeito
3-De acordo com nossas preferências e desejos.
O objetivo final é o de não sofrer... enquanto que, geralmente, o desejo de realização está apenas esboçado...
Claro que está implícita, neste esforço, uma falsa noção de potência e de capacidade de controle sobre os outros, sobre o mundo e sobre a realidade em geral. Neste sentido é como se a pessoa tivesse a onipotente sensação de ter em mãos todos os meios de fazer as coisas darem certo, do jeito que melhor lhe convier.
É deste ponto de vista, aliás infantil / egocêntrico, que a maioria de nós toma decisões (sic!) e faz escolhas (sic!).
Tirar a Consciência Individual dos estreitos limites aos quais ela se adaptou é o trabalho terapêutico psicológico, dando ao EU novos ares para respirar e mais energia para se movimentar; claro, depois de extinguir alguns gastos inúteis de energia, como, por exemplo, o já citado “esforço inútil de controlar o incontrolável”.
O que o ADMININSTRADOR DA DOR costuma entender como o mais desagradável é a simples existência de energia vital e inconsciente envolvida... quando se pode notar que há uma “força maior agindo”... ao sentir isto ele já toma as decisões medrosas de se proteger, pois se há energia, se há poderes outros, então estes poderes só podem ser maus...
Nesta categoria de “MAU / ERRADO” podem se incluir os instintos, o impulso para o prazer, o desejo de aventura, a criatividade, a espontaneidade e outros “temíveis” processos inconscientes e incontroláveis.
Se até certas teorias psicológicas se viram atraídas a esta posição de defesa, por que não podemos nós, meros seres comuns, sucumbir ao atrativo de nos defendermos ferozmente do desconhecido (Inconsciente) que há em nós?!?!?!?!?!?!?!?!?
Se nos permitirmos sonhar ou desejar algo de muito idealizado, por exemplo, e se depois os resultados foram frustrantes ou dolorosos, não demora não desejaremos mais nada, pois pela lógica racional do discurso internalizado do ADMININSTRADOR DA DOR fica implícito que: “Se eu não tivesse desejado nem me deixado envolver demais pela fantasia eu não teria sofrido tanto”.
É com base nestes interesses e pressupostos errôneos, que “escolhemos” (sic!) se vale (ou não) a pena fazer alguma coisa, em uma dada situação...
O fato sempre marcante é que temos mais medo da REPETIÇÃO DO PASSADO do que realmente um medo do DESCONHECIDO, do futuro ou do novo.
O ADMININSTRADOR DA DOR é um GUARDA possessivo de seus pertences!!!!!!!!!
Naturalmente, todo o esforço de CONTROLAR (as situações, as pessoas) está fadado ao insucesso, pois a onipotência infantil subjacente, com freqüência, não é nem mesmo identificada ou conscientizada: em conseqüência, quando o resultado não é atingido a culpa pelo insucesso é sempre PESSOAL.
Esta função egóica (o Administrador) geralmente não “pensa” em dar nada, ele só pensa no que vai garantir, no que vai “ganhar” com cada ação e não se move se não houver, por trás de sua ação, uma insistente e renitente NECESSIDADE / CARÊNCIA PESSOAL a ser atingida ou algo (como um MEDO) a ser protegido.
Os MEDOS, ainda que adquiridos na experiência prática, com pessoas e situações, também são experimentados de formas bastante pessoais e tornam-se bastante característicos. No entanto, é bom não esquecer que o seu MEDO ou a sua ANGÚSTIA só pode ter o PODER que você tenha transferido a ele. Quanto mais VOZ e PODER você dá ao seu MEDO, mais ele fica fortalecido e, de modo complementar, mais enfraquecida se torna a Consciência Individual.
É frustrante você só se repetir dia após dia. É terrível, pois você descobre-se apequenado e sua auto-estima só se pode construir mediante esforços e adaptações, pois a frustração que uma postura tímida traz, está sempre presente e precisa ser afastada, para não “contaminar” as seguranças fracamente estruturadas por toda uma vida de rotinas e repetições.Quem não conhece pessoas que nos deixem muito claro o que JAMAIS fazem, como por exemplo, tomar a iniciativa ou, VICE-VERSA, quem não conhece pessoas que JAMAIS sabem esperar a hora certa para agir?
De modo geral o ADMINISTRADOR DA DOR é muito rígido e não sabe lidar com pares de opostos OU com paradoxos de qualquer tipo.
Exemplificando: Uma pessoa pode tanto sofrer do vício da passividade quanto do da atividade. O problema é o VÍCIO em uma - sempre a mesma - qualidade de resposta à vida.
Há, sim, um tipo de coragem ativa que nos faz defrontar as situações e pessoas. Contudo, esta não é a única coragem possível, pois necessitamos nos adaptar ao mundo também no sentido “feminino / reativo”, no sentido da polaridade passiva diante, por exemplo, de situações que não criamos, não desejamos, não apreciamos. O “universo”, aparentemente, não se importa, nem nos pergunta se as preferimos ou desejamos: elas apenas ocorrem e nos atingem, geralmente de forma impactante, especialmente se negamos / renegamos sua existência.
O psicólogo que trabalha com o Inconsciente e com os sonhos nota que temos MAIS DE UMA dimensão ativa dentro de nosso processo de Consciência Individual.
O que nos faz completamente humanos é a possibilidade – raramente exercida – de entender / compreender tanto as demandas (necessidades, carências, pressões) externas quanto as internas.
Necessitamos de uma função central, uma função que seja orientadora e que nos faça ter que responder tanto às demandas externas quanto às internas, originadas em nosso processo psicológico vital.
continua...