Não-ação é a tradução da máxima taoísta "wu wei", que é a base da atuação do sábio. Qualquer ação surge da intenção de nossas mentes. Ao desejarmos alguma coisa, surge o impulso da ação, portanto, a ação é fruto da intenção. A intenção, por sua vez, surge do emaranhado de informações que temos na mente colhidas através dos cinco sentidos, onde a partir da diferenciação subjetiva que fazemos entre "bom" e "ruim", geramos a intenção tendenciosa. Portanto, a mente discrimina e mantém preferências o tempo todo - ela identifica, conceitualiza, classifica e gera preferências. Podemos ver, então, como nossas ações são centradas no ego, como são parciais e tendenciosas. É a mente apegada ao eu.
Quando é dito que o sábio age através da não-ação, significa que a raiz de suas ações não está centrada no ego. Ele segue o fluxo da vida sem se apegar. A mente do sábio não é diferente da mente do homem comum: é parcial e tendenciosa do mesmo jeito. Porém, o sábio não se apega à mente ou ao eu e, portanto, pode utilizar os recursos mentais de forma apropriada. Por não se apegar às suas preferências, a energia mental é desobstruída; por não se apegar às classificações, não há preconceito e a mente não se fixa às crenças limitantes. Sem apego, ele não cria obstáculos em seu caminho e, portanto, a prosperidade e o sucesso ocorrem naturalmente, sem nenhum esforço artificial.
Não-ação tem o sentido de não agarrar. Quando classificamos os fenômenos, nós interrompemos um fluxo, da mesma forma que se tentarmos segurar o vento, o exterminamos. Os fenômenos são o que são, nada mais do que isso. Além disso, o seu surgimento está além da nossa compreensão intelectual. O julgamento que fazemos dos fenômenos é uma tentativa de conceitualizá-los baseada em nossa subjetividade e, portanto, fadada ao erro. Se você diz que algo é bom, automaticamente, cria-se um parâmetro para que outras coisas sejam ruins e vice-versa. Todas as classificações seguem esse mecanismo.
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No filme "O Mestre das Armas" do Jet Li, um mestre japonês fala sobre as propriedades do chá que está sendo oferecido ao chinês Huo Yanjia, enaltece várias qualidades do chá e diante disso o chinês diz: "é apenas chá. O chá não faz julgamento sobre si mesmo e eu escolho não fazê-lo também". Não que o sábio tenha o paladar insensível para os alimentos saborosos, mas ele aprecia aquilo que está diante dele sem discriminar e sem comparar com outros tipos. Essa atitude neutra, que sabe usufruir das coisas como são sem julgamentos e sem gerar exclusão é a não-ação.
Em relação a si mesmo, se você se reconhece como bom, inteligente, habilidoso ou seja o que for, automaticamente, é criado um distanciamento entre você e o meio, e tudo o que foi conquistado devido a esse inter-relacionamento é perdido. Afinal, o mérito depende de vários fatores e se você se enaltece ou se inferioriza, você quebra o elo. Esse reconhecimento fixa a sua crença e a sua realidade, desintegrando o mérito conquistado, que não existe por si só. Você se torna um desmerecedor e anula o mérito. Se você atribui-se, ao contrário, qualidades negativas como ruim, burro ou fracassado, igualmente estará fixando a sua crença e impedindo qualquer desenvolvimento.
Exemplificando com a prática do Tai Chi Chuan ou de outras artes marciais, se compararmos a nossa performance com a de um colega, com a do professor ou com a nossa própria expectativa, estaremos fixando as nossas mentes na dualidade: minha performance X outra performance; boa X ruim. Quer seja a crença de que estamos bons ou ruins, estaremos colocando o obstáculo da conceitualização e, a partir desse ponto, interrompemos a naturalidade. Sem naturalidade, não há mais o jogo de Yin e Yang, ficamos presos na aparência e o Tai Chi Chuan se torna duro, sem vida, uma tentativa.
Para a prática espiritualista, de modo geral, o essencial é abandonar a aparência subjetiva e habitar na naturalidade. Tai Chi é liberdade, espontaneidade. Apenas ser. Os fenômenos sendo o que são, sendo as palavras tão limitadas e as nossas mentes tão subjetivas, qual o propósito de falar, comparar ou justificar se estes afastam ainda mais daquilo que é? As palavras e os pensamentos, em sua maioria, são dispensáveis. Os murmurinhos mentais que acompanham nossas ações também não contribuem. Se houver um desenvolvimento meritório, é algo espontâneo no qual a mente não pode se fixar. O mérito não pode coexistir com a mente apegada ao ego. Por isso, o ensinamento não é nada mais do que isto: simplesmente fazer, sem nada mais fazer.
Marco Moura
Texto revisado
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Marco Moura desenvolve no Centro Dao de Cultura Oriental (metrô Ana Rosa, Vila Mariana, São Paulo) atividades para o desenvolvimento integral de corpo e mente através da meditação budista, artes marciais e terapias orientais. Fisioterapeuta, faz atendimentos de Acupuntura; ministra aulas de Meditação, Chi Kung, Tai Chi Chuan e Kung Fu. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |