Perplexões ou tentando engolir as tragédias da tela
por Adília Belotti em AutoconhecimentoAtualizado em 22/10/2008 17:12:31
“Perplexões”, foi a palavra que imaginei poder descrever esse estado confuso e desolado no qual mergulhamos há uma semana. Um combinado de perplexidade e indignação… ”perplexões”…
Perplexões, embora palavra recém-nascida, devem se expressar através de perguntas, imagino. E numa enxurrada, que perplexões são assim, aflitas…
- Vocês repararam a quantidade de vezes que a moça Nayara, em seu depoimento, fala que Limdenberg Alves mudou de humor ou de rumo por conta de ter visto alguma coisa na TV? Como fica a cabeça de um rapaz se vendo dessa forma em cadeia nacional? E por que mesmo ninguém lembrou de cortar a luz?
- Quem é essa menina que já desde os 12 anos vive uma relação de tal intensidade? Ouvi um depoimento do rapaz que dizia que ela já tinha se desesperado antes, em uma das outras várias separações do casal, quando ele havia ameaçado romper o namoro, agora seria a vez dele reivindicar seu direito ao “sofrimento”…
- E quem é essa outra menina que desafia a proteção da polícia e volta correndo para o cativeiro? Então, já não seria tempo de reinventarmos nossas fronteiras entre o que é ser criança e o que é ser adulto?
- E por falar em adultos, quem somos nós, adultos, que estamos falhando tanto na nossa mais biológica função: proteger nossos filhotes? Onde a gente está quando eles precisam de nós? Em algum momento dessa tragédia anunciada vocês também não se pegaram perguntando, cadê os adultos nessa história?
- As telas provocam uma ilusão de distância, as coisas todas parecem reais, mas estão tão convenientemente lá do outro lado da tela, que a gente pode até fingir que nem é tão conosco assim: esses três jovens poderiam ser os filhos de uma melhor amiga, da vizinha querida, os NOSSOS filhos! Será que estamos sendo sábios quando permitimos que eles sejam transformados em personagens nestes Big Brothers da vida real?
- E de novo, por falar, em BBB, como podemos ajudar nossos filhos a redefinirem conceitos assim básicos, coisa de chão de terra mesmo, de avó: público X privado, fantasia X realidade, TV X vida real? Ver as fotos dessas meninas “posando” no orkut, tão frágeis na sua juventude, tão adultas nas “caras e bocas”, tão à mercê do olhar do outro, não incomoda você também?
- Há alguns meses, a Veja fez uma reportagem de capa falando da “geração do eu mereço”. Fico pensando que, sim, compramos essa ilusão “made in America” do “tudo é possível, basta desejar com bastante força” e ter um shopping center na vizinhança– não é à toa que The Secret virou esse fenômeno – mas como vamos ensinar aos nossos filhos que mesmo diante dessa vertigem de poder, existe uma única, talvez, e intransponível barreira: o desejo do outro?
Minha mãe, quando a conversa toma este rumo, costuma sacar do fundo do baú uma peça de J.B.Priestley, “Está lá fora um inspetor“, que fala de uma noite de tempestade, de um mordomo que chega para avisar o dono da casa que “está lá fora um inspetor para falar de uma moça que morreu, sabe-se lá por quê, Eva Smith, chamava-se”… E entra o inspetor provocando cada membro da família tão certinha até cada um assumir sua parcela de responsabilidade na morte da moça, de nome tão comum, Eva: o pai que tinha demitido a moça, o filho que a havia abandonado, grávida, a mãe que a humilhara…nada demais, apenas pessoas comuns trombando com pessoas comuns sem nem prestar muita atenção…
Mas, assim como o espectro do “inspetor”, alguns fatos funcionam feito espelhos e revelam para quem quiser olhar, a parte de responsabilidade de cada um, ainda que mínima, na vida de todos…