Não se trata do que eu devo nem do que eu quero...
por Rosana Braga em Almas GêmeasAtualizado em 15/10/2020 20:39:54
Durante boa parte da vida, fiz escolhas a partir de uma pergunta que parecia me conduzir ao que era correto: "o que eu devo?".
Num determinado momento, um certo incômodo, uma leve perturbação passou a me atormentar. A vida não estava boa. Não estava gostosa. Aliás, estava pesada e eu me sentia tensa, irritada, exausta, por vezes.
A dor era causada por uma sensação de aprisionamento. Parecia que tudo tinha de seguir uma cartilha. Mas não havia sido eu mesma a escrever as regras. Sentia-me submetida, controlada e reprimida.
Na busca por respostas que viessem de dentro e não tão incisivamente de fora, percebi que o problema estava, muito provavelmente, na pergunta. Ela era que estava equivocada.
Passei, então, no auge da minha autoestima, a me questionar: "o que eu quero?".
Era simplesmente empolgante. A sensação que me invadia e preenchia era a de que, finalmente, havia me tornado dona da minha própria história. Eu podia querer. Estava autorizada. Por quem? Por mim mesma, oras. Por quem mais deveria ser?
Sistematicamente, mudava do "o que eu devo" para "o que eu quero" e a vida parecia se tornar muito mais divertida e autêntica. Sentia-me poderosa pelo simples fato de me permitir refletir sobre meus desejos, minhas vontades, meus impulsos, meus sentimentos e minhas infinitas possibilidades.
E esta foi uma fase essencial para uma outra descoberta.
Se, no primeiro momento, a minha vida parecia limitada e cerceada por grandes e grossos muros, agora eu tinha horizontes nunca antes imaginados. Alguns até que eu ainda não estava pronta para alcançar.
Foi ótimo poder exercitar a tentativa e o erro. Poder amadurecer diante da dúvida. Poder me perder dentro da minha própria confusão, já que tantas vezes nem conseguia ter clareza sobre o que realmente queria.
Porém, outra dor surgiria. E desta vez era causada por uma estranha sensação de não reconhecer o meu contorno. Se antes me sentia podada por quem se achava no direito de me impor expectativas e comportamentos adequados, agora me sentia perdida e misturada num mundo onde tudo eu me havia permitido.
Ainda na jornada em busca da essência, estava bem mais perto do que antes. Mas superestimava a mim e ao mundo. A mim e aos outros. A mim e aos encontros.
Agora, meu universo se amplia à medida em que se encolhe. Parece contraditório, mas não é. O mundo de dentro mais se abre e mais faz sentido quanto menos tentamos corresponder às expectativas de fora.
Ao reconhecer o meu contorno, reconheço também minhas limitações, minhas sombras, meus medos, meus monstros. Reconheço os ciclos, as fases. O início e o fim. A luz e a escuridão.
Reconheço que nem tudo o que quero, eu posso. Não porque alguém fora de mim tenha me feito acreditar nisso, mas porque me sei, cada dia com um pouco mais de clareza, imperfeitamente humana.
E dentro dessa dolorosa e mágica imperfeição, sei que nem tudo posso. E está tudo bem. Não preciso poder tudo! Aliás, nem cabe tudo dentro de mim. Mas o que cabe, quando cabe, ainda que seja pouco, é de verdade, é de mim.
É a minha singularidade nascendo no meu mundo!