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A nora ideal

por Adília Belotti em Autoconhecimento
Atualizado em 06/05/2005 13:04:40


Meu filho mais velho, assim entre pensativo e desejoso, me conta que anda pensando em sossegar e, quem sabe, viver um relacionamento "de verdade" com alguém. Uma namorada especial. Confesso que já estava me acostumando com o “ficar”, mas é claro que ouvido de mãe adora a palavra sossegar e seus sinônimos, ainda que entre eles estejam namorar, sair de casa, casar...! Nossa, afinal, ele cresceu e está indo embora!

Foi aí que tive uma idéia iluminada! É claro que ele iria adooooorar umas dicas. A nora ideal, já antecipava meu coração materno, a solução perfeita! Alguém para quem passar o bastão do afeto com um piscar de olhos de pura cumplicidade e um sorriso!

Por isso, fiz cuidadosamente a lista que segue abaixo. Se você conhecer alguém que preencha estes requisitos, por favor, não deixe de me avisar...

A primeira coisa é o lugar. Onde encontrar a nora ideal? É evidente que ela não vai ser achada em qualquer lugar, sobretudo, não será vista semi-embriagada no banheiro de um barzinho às 4 da manhã, embora, pensando bem... nunca se saiba, certo? Mas facilita se ele for procurá-la lendo nas bibliotecas, correndo nos parques de manhã bem cedinho, atenta, num curso de gastronomia avançada, pensativa, num grupo de estudos sobre os personagens femininos nas peças de Shakespeare, carinhosa, ajudando velhinhos a atravessarem a rua!

Uma vez acertado o lugar, vem a pergunta: como reconhecê-la? É fácil. Esta mulher-talvez-quase-menina caminha feito uma palmeira agitada pelo vento. Uma certa pressa, talvez de encontrar o futuro. Quase desengonçada, ela ainda anda pelo mundo como se fosse redonda, explorando em braços e pernas o espaço que desconfia lhe pertencer, de nascença e de direito. Está aprendendo o andar elegante das modelos, mas sem exageros. E prepara, num salto altíssimo, o jeito desafiador de quem se orgulha de ser mulher.

Certeza mesmo, no entanto, ele só vai ter quando seu olhar encontrar o dela. Esta primeira troca de olhares dura só um instante-infinito, medida de tempo que os amantes inventaram há milhares de séculos e que os cientistas tentam precisar em complexas equações envolvendo fusão de espaço-tempo e outras alucinações. Olhares são matéria para os poetas e não para pobres mães aflitas, então não vou me estender nesta questão. Apenas deixo registrada a necessidade de que em algum ponto destes olhos ele enxergue um riso. É, lá no fundo, ela já deve ter aprendido a rir de si mesma, dos homens, quem sabe, do mundo... E algo na sua forma de olhar vai fazer ele ter certeza de que esta moça já sabe avaliar os riscos e a fragilidade de qualquer encontro, mesmo que ele dure toda uma vida... E acabou de resolver não ter medo...

Ah, sim, agora eles vão conversar. Podia contar para ele alguns truques que as mulheres usam para seduzir os homens, mas ia estragar a surpresa - e não ia ser justa com ela logo de cara. Prefiro pedir que ele observe atentamente, por trás de todos os encantadores artifícios, se ela ama a vida, com o abandono de quem dá uma boa gargalhada. E se apesar das cicatrizes que talvez já marquem sua pele, ela mal consegue esperar o dia seguinte, o minuto seguinte, o instante seguinte, para saborear o mundo feito um sorvete de casquinha.

Ele que preste atenção na sua fala, no seu modo, no seu ritmo para não deixar de perceber se existe nela aquela coisa que torna algumas de nós, mulheres, tão desagradáveis. É meio constrangedor, devo confessar, mas não tem jeito, vou ter que explicar direitinho! Não sei bem em que momento foi que as mulheres começaram a achar que são os homens os verdadeiros encarregados da sua felicidade. Mas o fato é que hoje muitas, muitas de nós ainda depositam sua felicidade nas mãos do primeiro homem tolo o bastante para aceitar este trato desleal, e vaidoso demais para desconfiar das princesas que precisam ser salvas de si mesmas...

Não, não. Minha nora ideal vai ser capaz de tomar a decisão de ser feliz e assumir seus riscos, porque, francamente, o pior tipo de nora, com certeza é a tal Amélia, da música. Ela vai ser feliz porque decidiu numa noite qualquer de lua cheia que o mundo é um lugar extraordinário para se estar. Sobretudo quando sabe-se lá quais seriam nossas reais alternativas. Ah, esta minha nora vai, sim, encontrar encanto nas manhãs de outono e na risada das crianças. Vai ver fadas no jardim e, nas suas mãos, as páginas dos livros vão pulsar. Ela há de saber apaixonar-se pelas idéias e pelas criaturas, com igual fervor. E, se eu bem a conheço, vai querer deixar uma marquinha bem sua no mundo.

E o amor? Seria tão bom se ela o poupasse da fúria enciumada dos apaixonados... e o amasse com a serenidade das mulheres de marinheiros e a compostura das leoas. Fico torcendo para que ela perceba logo que as palavras com as quais costumamos tecer o amor são perversas. Falam de "meus" e de "minhas", de "tenhos", de possuir, de aprisionar, como se seres algemados fossem capazes de experimentar o amor verdadeiro. Tomara que ela perceba o amor com a delicadeza de quem segura uma borboleta e assumisse os riscos de decidir nunca fechar a mão sobre as asas azuis...

E porque é mais fácil descrever como ela é do que os sonhos que traz no coração, torço para ela aposte neles, mesmo que não saiba no momento nomeá-los todos. Criaturas infelizes são aquelas que esqueceram seus sonhos em algum ponto do caminho e nunca voltaram lá para buscá-los...

E agora que fiz este retrato falado, reli, reli de novo e fiquei pensando: como ser a sogra ideal para uma mulher assim? Se alguém tiver uma receita, acho que estou aceitando...

Por favor, leia para me ajudar a preparar uma receitinha caseira do homem ideal para esta mulher-nora ideal. Porque homens, como qualquer mãe - mesmo a pior delas - sabe lá no fundo do coração, podem ser filhos fofos, lindos, amadíssimos, mas maridos, amantes e parceiros não tão brilhantes assim... o que se há de fazer?


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adilia
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM.
Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma.
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