Advogado do Diabo: Um convite ao pensamento Crítico
por Rodolfo Fonseca em AutoconhecimentoAtualizado em 22/12/2024 12:36:08
Essa é a segunda vez que escrevo sobre esse filme. Na primeira em 16/10/2001, tive que dividir as ideias em 3 artigos. Vou deixar os links no final do texto.
Caramba, já passaram 23 anos... Bom, poucos filmes conseguem unir o entretenimento de um thriller psicológico com uma reflexão filosófica e espiritual tão provocativa quanto Advogado do Diabo (1997). Estrelado por Al Pacino, que interpreta o carismático John Milton, e Keanu Reeves como o ambicioso Kevin Lomax, o longa explora temas universais como livre-arbítrio, tentação, poder e a natureza da moralidade.
Por trás de sua narrativa envolvente, o filme revela-se um verdadeiro manifesto contra a hipocrisia dos dogmas religiosos, especialmente os cristãos, e um chamado à reflexão sobre o papel das escolhas individuais em um mundo onde as regras divinas parecem, muitas vezes, contraditórias e punitivas.
A cena emblemática em que John Milton desabafa sobre Deus, proferindo as linhas que ficaram imortalizadas no imaginário do público, é uma verdadeira obra-prima de argumentação filosófica:
"Deixe-me dar algumas informações sobre ele. Deus gosta de olhar, é um gozador. Ele dá instintos ao homem. Ele dá esse dom extraordinário e aí o que ele faz? Ele cria regras em oposição a isso.
Olhe, mas não toque;
Toque, mas não prove;
Prove, mas não engula...
Enquanto você pula de um pé para o outro, o que é que ele faz? Ele fica mijando de tanto rir!"
Essa passagem ecoa a contradição frequentemente observada em dogmas religiosos: um Deus que confere ao ser humano a capacidade de desejar e criar, mas ao mesmo tempo o pune por exercer esses mesmos dons. Aqui, o filme confronta o moralismo que muitas vezes oprime, em vez de libertar, e questiona se as regras impostas realmente servem à evolução espiritual ou se são meros instrumentos de controle.
Uma das temáticas centrais do filme é o livre-arbítrio, conceito frequentemente exaltado pela religião cristã. Al Pacino, em seu papel de "Diabo", desafia a narrativa convencional ao apresentar-se não como o antagonista, mas como um facilitador das escolhas humanas. Ele não obriga Kevin Lomax a cometer erros; ele apenas cria as circunstâncias para que o jovem advogado escolha por conta própria o caminho da ambição desmedida.
Isso levanta uma questão provocadora: é realmente justo condenar o ser humano por suas escolhas quando as tentações são estrategicamente colocadas em seu caminho? E mais: será que as regras divinas são realmente criadas para beneficiar o homem ou apenas para testá-lo de forma cruel e punitiva?
O filme também lança luz sobre a hipocrisia da Igreja e de seus representantes. Ao longo da história, a Igreja Católica impôs normas que muitas vezes contradizem a própria natureza humana. Pensemos nos votos de castidade, nos quais se exige que indivíduos suprimam completamente seus instintos, ou na condenação ao prazer, vista como pecado, mesmo quando o prazer é uma manifestação do que é mais humano.
Milton, como personagem, é uma caricatura do "acúsador", mas também um crítico do sistema que oprime. Ele desafia Kevin e o público a pensar: é mais honesto viver de acordo com nossas verdades ou submeter-se a padrões impossíveis que apenas geram culpa e sofrimento?
Referências Bíblicas e a construção do diálogo
Outro aspecto brilhante do filme é como ele utiliza referências bíblicas para enriquecer seu discurso. Milton representa a serpente que oferece o conhecimento, uma figura demonizada na tradição cristã, mas que também pode ser vista como um símbolo de emancipação. Ao citar passagens que evocam a história do Jardim do Éden, o filme nos convida a reconsiderar a narrativa tradicional: e se o pecado original for, na verdade, um ato de coragem e busca por liberdade?
O filme também aborda a construção histórica do mito do Diabo, especialmente no cristianismo. A figura de Lúcifer, que inicialmente representava um "portador de luz" ou estrela da manhã, foi transformada ao longo dos séculos em um símbolo do mal absoluto. Essa demonização foi utilizada pela Igreja para impor medo e controle sobre os fiéis, vinculando desobediência e curiosidade ao pecado e à condenação eterna.
Essa manipulação da imagem do Diabo como ferramenta de controle social é brilhantemente explorada no filme, que apresenta Milton como um personagem multifacetado: ao mesmo tempo tentador, crítico e profundamente humano. Essa abordagem questiona não apenas a narrativa religiosa tradicional, mas também o uso do medo para restringir o pensamento e a liberdade.
Por que assistir a Advogado do Diabo?
Este é um filme que transcende gêneros. Para quem busca apenas um bom entretenimento, oferece atuações memoráveis, uma trama intrigante e um desfecho surpreendente. Para os que desejam ir além, é uma obra que questiona dogmas, desafia ideias preconcebidas e instiga o público a refletir sobre a moralidade, a religião e o poder das escolhas. É um lembrete poderoso de que o verdadeiro progresso começa com perguntas incômodas. Como John Milton diz no clímax do filme:
Não se deixe enganar por aparências. Este filme é um convite a olhar além da superfície e questionar as regras que moldam nossa existência. Aceite o desafio. Assista e reflita.