Crônica
por WebMaster em AutoconhecimentoAtualizado em 17/03/2003 12:26:46
Um dia, quando eu tinha 14 anos de idade e vivia numa cidadezinha do interior, fui com minha mãe ao consultório de um clínico geral. O motivo era pedir um atestado médico. Quando criança, eu havia sofrido um “começo de paralisia infantil” (era assim que minha família me contara), e portanto seria natural a dispensa das aulas de Educação Física, já que um esforço maior me provocaria dores...
O médico, com pena de mim e principalmente de minha mãe, que só queria ver a filha parar de se desesperar, deu o atestado. Com o papelzinho, eu fui dispensada. Mas a professora de Educação Física não acreditou no papelzinho, e sem comentar nada ela simplesmente me obrigou a ficar ali, durante as aulas, apenas assistindo, quieta e sozinha. Já que o atestado me impedia de jogar e praticar os exercícios, eu teria de ver todo mundo fazê-los. Era um castigo.
A professora estava certa. Porque me via, garota magrela mas com o corpo funcionando sem nenhum problema, pronta para cumprir todo o currículo escolar. Estava certa porque, apesar de ser verdade o começo da paralisia, não havia deixado nenhuma seqüela.
O que eu tinha era um complexo enorme, inconfessável, quase doentio das minhas pernas compridas, finas e que eu considerava absolutamente tortas. Eu simplesmente não conseguia ficar de short – parte do uniforme de ginástica – diante dos meus colegas do colégio novo.
O complexo que desde meus 11, 12 anos me fazia sofrer, em silêncio, foi multiplicado por um milhão nas horas em que, sentada sozinha no banco do pátio, via minhas amigas gritando, pulando, suando, rindo e se divertindo nas aulas. Não contei nada para ninguém, nunca, não podia... Eu me sentia insegura, sem valor próprio, tudo o que você pode imaginar quando a gente se sente inferior aos outros.
A partir daquela vez então, haja inferioridade! Porque, além de mentir para todo mundo e para mim mesma, não conseguira resolver nada com a mentira, e continuava com o mesmo complexo.
Essa história é verdadeira, e eu achei que seria um bom começo para contar outras histórias semelhantes, que aconteceram e ainda acontecem com jovens do mundo inteiro, todo dia, a toda hora, e que têm a ver com o corpo e a mente, o coração de cada um. Na idade adulta costumamos nos esquecer de alguns detalhes de nossa adolescência. Esses “detalhes” podem nos fazer sofrer e às vezes até tomar atitudes que nos prejudicam, sem que a gente saiba na hora por quê. Por isso, fatos que aparentemente não nos incomodam mais quando ficamos mais velhos podem merecer, sim, uma boa reflexão.
Por que eu tinha tanto complexo? Por que tantos adolescentes se sentem feios e com este ou aquele defeito em alguma parte do corpo? Por que muitos se machucam, agredindo-se com drogas, sexo sem segurança, falta de higiene, nenhum cuidado com a própria saúde? Por que outros se deprimem, entram numas de não comer ou comer demais, em regimes absurdos que só prejudicam? Por que outros, ainda, “precisam” malhar horas por dia? O que a gente sente em relação ao próprio corpo quando o vê modificar-se de um jeito que não esperávamos e não conseguimos entender? E os medos que sentimos por causa de tantas mudanças, quem nos alivia deles? Por que inúmeros jovens têm tantas dúvidas a respeito deles mesmos, sem ter a quem recorrer para esclarecê-las? Por que tantos adultos só conseguem ver os jovens com desconfiança, como se eles estivessem sempre prontos a aborrecer ou aprontar, esquecendo que um dia também tiveram angústias e se sentiram incompreendidos?
Este é um começo de conversa que pode ser partilhada aos pouquinhos, e que, por menos que responda a suas dúvidas – talvez até provoque mais perguntas! – poderá ajudar você. Porque é bom pensar, parar um pouco a correria do dia-a-dia para tentar entender esta e aquela interrogação que acontecem lá no fundo da nossa alma, sem que às vezes a gente se dê conta de que estão lá. Ao decidir encarar suas próprias perguntas, com certeza um dia, quando menos esperar, você encontrará uma base legal para refletir sobre elas e até mesmo respondê-las com tranqüilidade.
Clarissa H.