Fora da caridade e da educação...
por Acid em AutoconhecimentoAtualizado em 01/09/2022 11:18:30
Com a aproximação das eleições, começa a haver um debate em que política e religião serão colocadas no mesmo saco. Por um lado, há candidatos interessados nisso mesmo, em que usam títulos religiosos e a sombra da sua instituição para ganhar votos (e poder). Há outros que até pouco tempo eram ateus e agora andam visitando Templos. E há outros que preferem deixar religião e política separados.
Como um texto espiritualista pode tratar desse assunto espinhoso sem entrar na esfera política?
Pois bem, encontrei a solução enquanto lia sobre Allan Kardec e a perseguição que o Espiritismo sofreu na Europa (especialmente na França). Kardec foi atacado sem cessar por jornalistas, padres, cientistas e céticos que, numa época em que a França aspirava cada vez mais se libertar da Nobreza e do Clero (A instauração da "Terceira República" e o fim da Monarquia viria 2 anos após sua morte, em 1871), não viam com bons olhos a instauração de (O Espiritismo não veio para ser uma nova religião, mas foi visto como tal. E até hoje a França é muito racionalista E materialista, embora eu ache que o verdadeiro racionalismo não exclui a espiritualidade, e o Espiritismo veio justamente para ser a fé "raciocinada".) uma nova religião(*). Como não podiam atacar os espíritas por suas ações (não havia dízimo, Kardec era muito reticente a aceitar doações, os ensinamentos visavam a caridade e o bem) atacavam os embusteiros que faziam shows de mágica como se fossem comunicações ou ações de espíritos, obviamente em troca de dinheiro ou "doações". E, embora Kardec também condenasse esse tipo de coisa reiteradas vezes, sempre a imprensa associava esses charlatões ao espiritismo. Uma mentira, repetida tantas vezes, acaba se tornando verdade. E com o passar das décadas o Espiritismo acabou ficando associado a essa prática, ignorando-se assim todo o lado moral e filosófico dessa doutrina.
(Denis-Luc Frayssinous)
No nosso "mundo Iluminista" de hoje se dá o mesmo. Pessoas são desqualificadas apenas por se dizerem religiosas. Não por alguma falha de caráter pessoal, mas sim pela má fama projetada por pessoas sem escrúpulos que usam a religião para manipular, roubar e extorquir pessoas, isso desde que o mundo é mundo. A ignorância de muitos adeptos também não ajuda. Mas é preciso julgar as pessoas pelo que elas são individualmente, e não por um rótulo. Luta-se tanto contra o preconceito contra o homossexual, mas quando é contra um religioso parece que está liberado. E não é porque há líderes religiosos que alimentam o preconceito que devamos retribuir na mesma moeda.
(Mahatma Gandhi)
Não se pode, entretanto, passar a mão na cabeça de quem corrompe as religiões e brinca com a fé das pessoas. Não é de hoje que estamos assistindo a decadência das religiões. Em 1861 Kardec recebeu a seguinte comunicação do escritor católico François Fénelon:
"A corrupção no seio das religiões é o sintoma de sua decadência, como é o da decadência dos povos e dos regimes políticos, porque ela é o indício de uma falta de fé verdadeira; os homens corrompidos arrastam a Humanidade para um despenhadeiro funesto, de onde ela não pode sair senão por uma crise violenta. Dá-se o mesmo com as religiões que substituem o culto da Divindade pelo culto do dinheiro e das honras, e que se mostram mais ávidas dos bens materiais da Terra do que dos bens espirituais do Céu."
Cabe perfeitamente como uma descrição da prática de certas denominações religiosas... mas será que todos os seus integrantes podem ser rotulados de materialistas que barganham com Deus?
O livro "Kardec", de Marcel Souto Maior, nos mostra que em maio de 1868 Kardec recebeu a comunicação de um visitante de batina: o cura da cidade argelina de Sétif, Bizet, morto um mês antes:
O recém-chegado estava pronto a dar seu testemunho do além pelas mãos de um dos médiuns presentes. À frente de sua paróquia, Bizet sempre evitara atacar o espiritismo, mesmo sob ordens do bispo de Argel, monsenhor Pavie, que definia a doutrina como "esta nova vergonha da Argélia". Em vez de combater as ideias e os valores difundidos por Kardec, e adotados também por muitos de seus fiéis, Bizet se dedicava, nas horas vagas, a distribuir alimentos e cobertores a vítimas da fome e do frio em sua região.
Kardec foi direto ao assunto:
- Eras espírita em vida?
- Se entendeis por esta palavra aceitar todas as crenças que vossa doutrina preconiza, não.
Mas o cura Bizet se recusava a alimentar a intolerância e encarava com pragmatismo a nova religião:
- É preferível ter uma crença que leva à caridade e à prática do bem, do que não a ter absolutamente.
Eu diria mais: aquele que não tem crença alguma e que pratica a caridade e o bem é ainda maior, porque nada espera, nem em vida, nem em morte. Por isso tenho grande respeito e admiração por aqueles que, sem crença alguma, conseguem se manter sãos nesse mundo louco, com base na educação, respeito ao próximo e uma firmeza moral interna. Não deveríamos exaltar religiões. Não deveríamos exaltar crenças ou o nome de tal e tal divindade. Devíamos sim exaltar o CARÁTER, a bondade, a correição de atitudes, independente de onde venha. Não foi essa a lição que Jesus e seus 12 apóstolos controversos nos deixaram? Não foi isso que Paulo sintetizou tão bem?