Moral moderna: qual é a sua?
por Adília Belotti em AutoconhecimentoAtualizado em 01/11/2007 14:33:58
Estava relendo alguns trechos do livro Pergunte a Platão, de Lou Marinoff, cujo subtítulo no melhor estilo auto-ajuda - Terapia para quem não precisa de terapia ou como a filosofia pode mudar sua vida - não deve fazer você torcer o nariz, achando que é uma bobagem, porque não é. Então, estava eu lá justamente relendo o capítulo no qual o autor, professor de filosofia em Nova York, fala de “ética”. E explica que as questões éticas dificilmente - ou quase nunca - podem ser expressas de uma forma simples, em termos, por exemplo, de 2 + 2 = 4. Os dilemas humanos se parecem mais com equações daquelas “cabeludas”: x + y = 30. Lembra delas?
Não existe um valor correto de x independente do valor de y, certo? Pois são assim as dúvidas éticas: sem contexto, é impossível fazer julgamentos. E essa definição de contexto começa bem no nosso umbigo. Qual é o filtro que a gente usa quando o assunto é ética?
Lou Marinoff enumera dez maneiras que os grandes filósofos encontraram de refletir sobre essas questões. E eu resolvi “inventar” um teste com elas. Quer experimentar?
Digamos que você esteja tomando seu café da manhã com calma - sim, eu sei que você não toma um café da manhã calmo desde sabe Deus quando, mas use sua imaginação. Você lê que alguém do alto escalão do governo está envolvido num caso de corrupção. Viu que fácil? O Deputado Fulano usou dinheiro público para subornar o deputado Beltrano de modo a facilitar a votação da seguinte lei de autoria do ilustre deputado Fulano de Tal: para cada prédio construído na cidade, o construtor deveria comprar um terreno do mesmo tamanho e bem ao lado para construir e manter uma praça. Vamos fingir que ainda não sabemos que o Deputado Fulano, é sócio de uma empresa que produz equipamentos para praças, só para facilitar...
Nesse momento você:
1. Engasga com o café e, indignada(o), decide mandar já um e-mail para o jornal pedindo a cassação tanto de um quanto do outro, afinal, oferecer suborno é tão inaceitável quanto se submeter a esse tipo de acordo
2. Pede para seu marido (mulher) passar a manteiga enquanto comenta que “afinal ao menos as crianças vão ter praças para brincar”
3. Reflete que “é uma pena que às vezes sejam necessários recursos tão pouco corretos para que se conseguir algumas coisas tão fundamentais” e engata numa discussão acalorada com sua filha sobre a importância da educação para criar cidadãos virtuosos
4. Dá de ombros e comenta, entre um pedaço de pão com geléia e um gole de café, algo meio incompreensível, mas que soa como “deixa estar que Deus não vai deixar esse bando de corruptos impunes”.
5. “Se ele fosse mesmo minimamente decente, tinha tido a coragem de vir a público pedir votos para seu projeto em vez de ficar fazendo tudo por baixo do pano”, você proclama, já de pé, prontinha para fazer um discurso.
6. “Aposto que esse Fulano é sócio de alguma empresa de instalação de trepa-trepas”, você resmunga, condescendente, mal sabendo o quanto está certa... mas não seria melhor se, em vez de praças, eles construíssem, sei lá, ciclovias”?
7. ”Que delícia de geléia essa diet, hein? Ah, sim, é absurdo, mas não há nada a fazer, tem gente que nasce mesmo para ganhar em cima do direito dos outros e, o que é pior, não adianta nem colocar na cadeia porque não vai se emendar”...
8. Entre um bocejo e outro, você viaja: “Bom, ao menos ele pensou nas crianças, nos velhinhos, tanta gente pode usar uma praça... e ainda não seria uma coisa ótima para a cidade esse tanto de verde? Imagina, nem teríamos que nos preocupar com as enchentes no verão, o Fulano no fundo no fundo rouba, mas faz”
9. “Mesmo as ações mais nobres podem causar grandes males” você reflete com um suspiro, pensando se um dia vai conseguir viajar para a Índia...
10. Depois de ouvir pacientemente seu filho fazer o discurso de “os fins justificam os meios, né mãe?”, Você encerra a discussão com um “é contra a lei, certo? Então está errado, não tem o que pensar”..
Bom, agora vamos aos resultados...
Pessoas 1 seguem, ainda que sem se dar conta, a linha deontológica da ética. Na prática, quer dizer que você submete toda a realidade ao crivo de um conjunto de regras imutáveis. Isso vale tanto para os Dez Mandamentos quanto para o famoso “imperativo categórico” do filósofo Immanuel Kant, que dizia mais ou menos assim: “faça apenas aquilo que você desejaria que todo mundo fizesse o tempo todo”. Para você, as regras do jogo estão sempre ali, à mão, é prático, não é? Mas a vida é tão cheia de exceções...
Pessoas 2 adotam uma ética teleológica para viver. “Telos” é palavra grega que significa “fim”, “propósito”. Já adivinhou? Sim, é isso mesmo: “os fins justificam os meios” e ponto final. Uma ação para você é legítima se beneficiar um número grande de pessoas, e quanto mais gente, melhor. Você deve ser uma pessoa bem prática, que valoriza os resultados e a eficiência das coisas. O problema? Bom, quem disse que a gente sempre sabe o que é bom para os outros?
Pessoas 3 seguem o que Lou Marinoff chama de “ética da virtude”. Segundo o professor, Aristóteles, Buda, Confúcio formam o “abc” desse tipo de pensamento, que é muito, muito antigo. Ninguém nasce “bom” ou “mau”. O mal é feito um vírus que a gente pega no ar. E o bem é algo que a gente aprende, coisa que nasce da prática e do exercício diário de preferir a “virtude” ao vício. Questão de educação. Para você, gente bem-educada deveria naturalmente “preferir” viver deste modo e quanto mais pessoas compartilhassem destas boas práticas, mais fácil seria pautar os valores segundo esses ideais e mais perto estaríamos de um mundo justo e harmonioso. Lindo, não é? Mas será que a gente consegue mesmo ser “virtuoso” o tempo todo?
Pessoas 4 são pautadas por Deus. Se você for boa e fizer tudo certo, então numa outra vida será recompensada. E também será castigado(a), se optar pelo mal. De um jeito ou de outro, a justiça divina intervém na vida dos humanos para preservar o equilíbrio e a harmonia, ainda que numa “outra vida”. Você segue tranqüilo(a) pela vida com a certeza de que Deus sempre cuida de nós, ainda que a gente às vezes desconfie das Suas razões. Não importa, aqui o que vale é a esperança...mas tome cuidado, há milênios os seres humanos matam e morrem só para provar que o “seu” deus é muito mais poderoso e forte e protetor do que o deus do vizinho...Pessoas 5 são existencialistas, ensina o professor Marinoff. Toda essa história de Bem e de Mal é bobagem, diria um existencialista de primeira hora, daqueles que freqüentavam o apartamento de Sartre, um dos pais do Existencialismo. Nós somos aquilo que fazemos. Para piorar, Deus não existe, e, portanto, somos todos órfãos, entregues à nossa própria sorte ou sina. Nem por isso a gente vai desanimar, ao contrário, nossa missão é viver orgulhosamente nosso destino de órfãos de Deus e assumir de cabeça erguida a responsabilidade por todas as nossas ações. A palavra-chave aqui é autenticidade. O desafio? Tentar não transferir a autoridade de Deus para nós mesmos ou para o líder mais forte da matilha...
Pessoas 6 seguem uma ética objetivista. Segundo nosso professor, a mentora desse pensamento muito difundido entre nós, do Ocidente, é Ayn Rand, cujo site você visita clicando aqui. Segundo essa filósofa moderna, o bem individual é mais importante do que o bem coletivo. Sempre que isso se inverte, os seres humanos viram animais de sacrifício ns mãos do grupo. Mesmo quando a gente ajuda alguém estamos fazendo isso por nós. Porque fazer o bem é bom para nós. E para evitar que a gente volte a viver pendurados nas árvores de alguma floresta da África, ela sugere um modelo de sociedade onde seja incentivada a competição saudável entre todos. Porque se cada um de nós buscar a excelência, então todos juntos naturalmente melhoram... ou nem sempre? Ah, outra coisa, você já pensou quem vai ser o líder dessa turma?
Pessoas 7 seguem uma ética apoiada na biologia. A sociobiologia foi fundada na década de 1970, por E.O.Wilson e Richard Dawkins. Para tudo há uma explicação e essa explicação está registrada em alguma seção do nosso DNA. Entre os humanos e as abelhas... bom, ponto para as abelhas! Nossas escolhas morais são feitas em função dos ritmos do nosso corpo, das oscilações do nosso metabolismo, da nossa eficiência adaptativa. Levando ao extremo, não somos responsáveis por nada, nem podemos nunca mudar nada em nós: nosso destino está impresso nas células da nossa pele. Brrrrr... que medo, hein?
Pessoas 8 pautam sua vida em uma idéia expressa por Emmanuel Levinas, um filósofo francês também da nossa época (ele morreu em 1995) de que tudo que a gente consegue pensar em termos de ética e moral nasce do nosso relacionamento com os outros. Pensar nos outros, essa é a chave da moralidade. Somos responsáveis pelo vizinho tanto quanto somos responsáveis por nós mesmos. A ação correta nasce desse olhar para o outro como alguém que merece sempre e em qualquer circunstância o nosso respeito. Para ele, minha felicidade só é possível se eu equacioná-la em relação à felicidade de todos. Difícil é convencer todo o resto do mundo de que é possível viver a partir dessa idéia...
Pessoas 9, mesmo quando não são budistas, seguem a ética proposta por Siddarta Gautama, o Buddha, por volta do século 6. Tudo que causa sofrimento é mau. Tudo que alivia o sofrimento é bom. Todos os homens, ricos ou pobres, brancos, pretos, amarelos ou verdes sofrem. E ninguém gosta de sofrer. “Coluna ereta, mente e coração tranqüilos”, ensinam os mestres. E cada um que alcança esse estado permanente, à prova de sofrimentos, feito de serenidade e de compaixão, volta para ajudar os outros. Como grandíssima parte da população do planeta está longe desse ideal, a pergunta é: será que dá para viver assim em algum lugar a mais de um passo de distância dos templos frescos e silenciosos?
Pessoas 10 são talvez as mais simples. Sua ética baseia-se no lema: “É legal? Então está certo!”. Eu conheci muitas assim. Vivem os padrões morais da sua época como se fossem verdades absolutas, eternas e imutáveis. Ou melhor, transformam as leis em padrões morais absolutos e imutáveis. Essas são aquelas criaturas que costumam dizer “eu só obedecia ordens”...
E então? Gostou do “teste”? Você tem mais alguma idéia de pensamentos éticos para acrescentar ao nosso “teste”?
Não deixe de comprar o livro Pergunte a Platão, de Lou Marinoff, é uma leitura gostosa e muito oportuna para quem quer conhecer melhor a si mesmo e aos outros. O livro é da editora Record.