O dogmatismo religioso e o fim do questionamento

Autor Rodolfo Fonseca
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 27/02/2025 16:22:08
Como crenças inflexíveis asfixiam a liberdade intelectual
Desde os primórdios da civilização, a religião moldou culturas, leis e identidades. No entanto, por trás de sua promessa de sentido e conforto espiritual, esconde-se uma força paradoxal: o dogmatismo religioso. Enraizado em verdades absolutas e imutáveis, esse fenômeno não apenas limita a capacidade humana de questionar, mas também trava o progresso ético e científico. Inspirados nas críticas de pensadores como Lucrécio e John Stuart Mill, exploramos como a rigidez religiosa continua a sufocar a liberdade intelectual e a perpetuar sistemas de opressão.
A origem do "Dogma"
A palavra "dogma" tem raízes na Grécia Antiga, derivando do termo δόγμα (dógma), que significa "opinião", "decreto" ou "doutrina". Originalmente, era usada para descrever princípios filosóficos ou políticos aceitos como verdades incontestáveis. No contexto religioso, o conceito foi apropriado pelo Cristianismo primitivo, especialmente a partir do século IV, quando concílios ecumênicos, como o de Niceia (325 d.C.), estabeleceram doutrinas oficiais para combater heresias.
O Credo Niceno, que define a natureza divina de Jesus Cristo, é um dos primeiros dogmas cristãos. Sua formulação foi uma resposta ao arianismo, que negava a divindade de Cristo, e ilustra como dogmas surgem para consolidar poder e unificar crenças.
Dogmas Cristãos: A crença em um Deus único manifestado em três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) é central no Cristianismo. Questionar essa doutrina já foi motivo de excomunhão e perseguição.
Em 431, o culto à VIRGEM foi estabelecido.
Em 594, PURGATÓRIO foi inventado.
Em 610, foi criado o título de Papa.
Em 788, é imposta a adoração de divindades pagãs.
Em 1079, o celibato dos padres é imposto.
Em 1090, o Rosário foi imposto.
Em 1184, a Inquisição foi perpetrada.
Em 1190, as indulgências são vendidas.
Em 1215, a confissão foi imposta aos padres.
Em 1311, o batismo prevaleceu.
Em 1439, o inexistente PURGATÓRIO foi dogmatizado.
Em 1854, o Papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, que afirma que a Virgem Maria foi preservada do pecado original desde o momento de sua concepção.
E em 1870 o Papa é considerado infalível em questões de fé e moral. Esse dogma centraliza autoridade e desencoraja o debate interno.
Dogmas Islâmicos - Unicidade de Deus (Tawhid) é a crença na absoluta unicidade de Alá é fundamental no Islã. Qualquer questionamento pode ser interpretado como blasfêmia, punível com severidade em alguns países.
- Profecia de Maomé: Aceitar Maomé como o último profeta é um dogma essencial. Críticas a sua vida ou ensinamentos são consideradas apostasia, crime passível de morte em regimes teocráticos.
Dogma Judaico - Eleição de Israel é a ideia de que os judeus são o povo escolhido por Deus é um dogma central. Embora não seja tão rígido quanto em outras religiões, ele pode alimentar exclusivismo e tensões com outras comunidades.
Dogma Hinduísta - Ciclo de Samsara e Karma é a crença em reencarnação e na lei do karma é um dogma que molda a ética hindu. Questioná-lo pode ser visto como uma rejeição à ordem cósmica.
No século I a.C., o poeta-filósofo Lucrécio já denunciava a religião como um instrumento de controle baseado no temor. Em De Rerum Natura ("Sobre a Natureza das Coisas"), ele argumentava que os dogmas religiosos perpetuavam a ignorância ao substituir a investigação racional por mitos sobrenaturais. Para Lucrécio, o medo da ira divina - como castigos eternos ou desastres cósmicos - corrompia a moralidade, transformando-a em uma obediência cega, não em uma virtude genuína.
No século XIX, John Stuart Mill ampliou a crítica ao destacar como a religião substitui a ética autêntica por regras artificiais. Em sua autobiografia, Mill descreveu a religião como um "mal moral" que viciava os padrões éticos ao elevar rituais e credos acima da razão. Para ele, a crença em um Deus "benevolente" frequentemente servia para justificar atrocidades, como guerras santas ou a subjugação de minorias.
A perseguição a cientistas como Galileu Galilei, cujas descobertas astronômicas desafiaram a cosmologia religiosa, ilustra como o dogmatismo impediu o avanço do conhecimento. A Igreja, ao priorizar dogmas sobre evidências, retardou por séculos a compreensão humana do universo.
Ainda hoje, o dogmatismo religioso se manifesta de formas sutis e às vezes violentas:
A Guerra contra a ciência. Movimentos criacionistas, que rejeitam a teoria da evolução em nome de narrativas literais da criação, são um exemplo claro. Nos EUA, o debate sobre o ensino de evolucionismo nas escolas expõe como dogmas religiosos buscam limitar o acesso ao conhecimento científico, privilegiando a fé sobre fatos verificáveis.
A Censura ao pensamento crítico. Em países onde a blasfêmia é criminalizada, questionar dogmas religiosos pode levar à prisão ou morte. A história de autores como Salman Rushdie, perseguido por Os Versos Satânicos, revela como a liberdade intelectual é sacrificada no altar da ortodoxia.
Tribalismo e divisão social. Grupos religiosos radicais, desde fundamentalistas cristãos até extremistas islâmicos, alimentam conflitos ao demonizar "os outros". Essa mentalidade tribal, como apontava Mill, impede o diálogo e reforça preconceitos, criando sociedades fragmentadas.
Então como escapar da asfixia dogmática? A resposta pode estar na valorização da razão, da dúvida e do pluralismo de opiniões. A filosofia e as ciências deveriam ocupar um espaço central, incentivando um ceticismo saudável e promovendo pedagogias que ensinem a pensar, não só a obedecer.
A ética seria baseada na humanidade e não na divindade. Como propunha Mill, a moralidade deve emergir do bem-estar humano, não de mandamentos religiosos. Direitos humanos, justiça social e empatia poderiam ser guias mais confiáveis que textos sagrados.
Por fim, um diálogo inter-religioso e ateu que seria reconhecer que nenhum sistema detém o monopólio da verdade. Espaços de conversa entre crentes e não-crentes podem desconstruir estereótipos e encontrar valores comuns.
O dogmatismo religioso, ao proibir perguntas e glorificar certezas, é inimigo do progresso. Como escreveu Lucrécio, "Tantum religio potuit suadere malorum" ("A religião conseguiu persuadir a tantos males"), porém, a saída não está no ateísmo militante, mas na coragem de conversar mais sobre nossas incertezas e medos, principalmente sobre o medo da morte link
John Stuart Mill dizia que "Quem conhece apenas o seu lado da questão sabe pouco dela". Apenas as mentes livres para questionar - sejam religiosas ou não - podem construir uma ética verdadeiramente universal. A liberdade intelectual não é uma ameaça à espiritualidade, mas a única esperança para uma humanidade que deseja evoluir.