O Furo na orelha e a escravidão: Tradição ou condicionamento?
por Rodolfo Fonseca em AutoconhecimentoAtualizado em 30/01/2025 23:32:42
Imagine um ritual ancestral, um ato simbólico que marca para sempre a submissão de um ser humano e o condena -de forma voluntária- à servidão eterna.
A origem do ato de furar a orelha era um rito simbólico dentro da Lei Mosaica, representando a decisão voluntária do escravo de permanecer com seu senhor para sempre. Esse gesto tinha um peso cultural e espiritual significativo na sociedade da época.
A orelha, na cultura hebraica, simbolizava obediência e escuta. Em diversas passagens bíblicas, Deus repreende Israel por não ouvir Sua voz (Jeremias 6:10, Salmo 40:6). Assim, furar a orelha do escravo indicava que ele escolheu escutar e obedecer permanentemente seu senhor, rejeitando a liberdade que lhe era oferecida.
Era uma escravidão forçada? Não. O escravo hebreu tinha o direito de ser liberto após seis anos de serviço (Êxodo 21:2). Mas se, por amor ao seu senhor e às condições de vida que tinha, ele decidisse permanecer, então passava por esse ritual.
O escravo era levado até a porta ou a ombreira da casa e furava sua orelha com uma sovela (uma espécie de furador de couro) e a partir desse momento, ele servia para sempre.
Agora, dê um passo atrás e olhe para a nossa sociedade. O que acontece com a maioria das meninas logo ao nascer? Suas mães, avós e enfermeiras furam suas orelhas. Não há escolha. Não há consentimento. Apenas a repetição de um costume tão enraizado que é feito sem questionamento. E pior: se uma mulher ousa não furar a orelha, causa espanto, estranheza, é questionada. "Como assim você não tem a orelha furada?"
O que começou como um rito de servidão se tornou uma norma social disfarçada de estética e feminilidade. Meninas, ainda bebês, são submetidas a essa tradição sem que ninguém pare para perguntar: por quê? O que estamos marcando? O que estamos perpetuando?
A resposta não é só histórica, mas psicológica e cultural. Condicionamos mulheres desde o berço a aceitarem a dor, a modificação de seus corpos, a submeterem-se a um padrão que sequer escolheram.
E quando uma mulher decide romper com isso, ela se torna uma anomalia. "Você é diferente, né?" dizem. Como se o natural fosse seguir a manada, aceitar passivamente aquilo que nos foi imposto.
No cristianismo, especialmente nas doutrinas desenvolvidas ao longo da Idade Média e do período feudal, a servidão foi reinterpretada como um dever espiritual, onde o fiel deveria servir a Deus, à Igreja e, em muitos casos, aos seus superiores terrenos.
A ideia de servir era associada à humildade e à obediência voluntária a Deus e às autoridades eclesiásticas, sem a necessidade de um sinal físico como o furo na orelha. O objetivo era conduzir os fiéis a um caminho de submissão e disciplina, reforçando a estrutura social e religiosa da época.
Talvez seja hora de ressignificar alguns costumes e enxergar o simbolismo oculto por trás de atos aparentemente inofensivos. Porque não se trata apenas de um furo, mas sim de uma marca, de um sinal de pertencimento às regras não ditas de uma sociedade que pouco se importa com a escolha individual.
...mas e o brinco?
A Bíblia não menciona o uso de brinco nesse contexto. O foco estava no furo na orelha, que já era suficiente como marca visível de sua decisão. No entanto, em outras culturas antigas, escravos podiam usar argolas na orelha como símbolo de servidão. É possível que, com o tempo, essa prática tenha sido adotada por alguns hebreus, mas não há evidências bíblicas diretas disso.
Espero que você esteja tão incomodado(a) quanto eu! Não tenho brinco e mesmo sem saber dessa história não deixei que furassem as orelhas das minhas filhas sem a vontade delas!
Vai continuar aceitando toda tradição de boa, ou vai começar a questionar um pouco?