Perfeição do Legião Urbana
por Acid em AutoconhecimentoAtualizado em 08/04/2020 11:35:29
Essa semana ouvi na rádio a música Perfeição, do Legião Urbana, e só agora - apesar de ter ela no meu computador há muito tempo e ter ouvido diversas vezes - foi que "bateu". Ela é a 4ª faixa do álbum "O descobrimento do Brasil" (e o nome do álbum não poderia ser mais adequado).
Por todo esse tempo eu achava que era só mais uma música de classe média jovem revoltada, coisa normal do pop/rock dos anos 90 no Brasil e no mundo, mas só agora vejo o quanto ela era profética, pois, mais do que retratar a sociedade de 1993 (ano em que ela foi lançada) nela temos praticamente TUDO o que somos HOJE como nação.
Ouça agora e veja se ele não fala do seu dia a dia? É praticamente nossa timeline das redes sociais, ou os noticiários da TV!
Celebrar vem do latim celebratus (algo frequente, solene, um rito público) e estava associada ao ritual da Missa, algo feito para a concentração de pessoas (celeber), e só depois de 1610 é que adquiriu um ar mais de alegria, glorificação, que é o que conhecemos hoje.
Pois bem. Diariamente nós "celebramos", no seu caráter mais solene - e muitas vezes através de nossa revolta - a estupidez humana, o país e sua corja de assassinos, nosso Estado (que não é NAÇÃO, como a música bem pontuou), nossa justiça, queimadas, mentiras e sequestros, mas também celebramos no caráter mais festivo "a cada fevereiro e feriado", ou "a festa da torcida campeã", assim como viver em função de Eros e Thanatos (Pulsões de Amor e Morte), bem como Persephone e Hades (desejo, posse).
A parte em que ele diz "Celebrar nossa desunião" é cirúrgica, pois não era perceptível, em 1993, como era agora, o QUANTO somos fragmentados, o quanto colocamos nossas bandeiras e ideias compartimentalizadas acima do nosso próprio futuro! Mas a ironia de que ainda hoje somos o país onde "vamos cantar juntos o hino nacional" não passa batida pra Renato Russo.
"Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada" é algo que poderia estar no texto de qualquer análise sensata do país hoje, mas o fato é que cada estrofe dessa música é tristemente atual.
Sob o ponto de vista musical, ela foi construída e produzida de forma magistral: no início, ela começa como qualquer pop/rock dos anos 90, daí perto da metade entram os teclados e ela dá o maior gás: a voz de Renato Russo fica mais empolgada, o rock vai ficando cada vez mais pesado com um arranjo de guitarra por detrás, aquilo vai "ganhando" você, apesar de tanta desgraça, Renato já está gritando, com um backing vocal de apoio, preparando o clímax, e aí ele fala "já que também podemos celebrar a estupidez de quem cantou essa canção" e nisso ele te dá um soco no estômago, já que você está super pilhado no discurso revolucionário de "é isso mesmo, nada presta!" e aí entra o grand finale:
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha,
Que o que vem é Perfeição!.
Renato Russo muda a voz para este final, e o teclado ganha predominância sobre a música, e nos traz um final otimista para o futuro: "O amor tem sempre a porta aberta", e alerta: "Quando a esperança está dispersa só a verdade me liberta; Chega de maldade e ilusão" e termina com "Venha, que o que vem é perfeição". Uau.
É meio óbvio, mas eu nunca tinha parado pra ponderar o significado dessas frases no contexto dessa música. Achava uma coisa meio bipolar, tipo:
"Como eu termino essa música? Ah, bota isso aqui" mas não é.
É uma DECLARAÇÃO. Uma POSIÇÃO do Legião Urbana diante disso tudo. E é forte.