A Velha e os Círculos de Pedra
por Adília Belotti em EspiritualidadeAtualizado em 10/03/2010 16:37:15
Há 15 anos (provavelmente mais, o tempo da memória nem sempre acompanha os roteiros celestes), um amigo me deu um livro: The Crone, woman of age, wisdom and power (ou A anciã, uma mulher de idade, sabedoria e poder), da escritora americana Bárbara Walker. Por coincidência ou por artes outras, ele já chegou às minhas mãos velho, porque, na verdade, tinha sido achado jogado em uma caixa, e fora descoberto num desses dias que a gente resolve fazer uma faxina na casa e arrumar as gavetas da alma.
‘Espiritualidade feminina’, era sobre isso, o livro de Barbara Walker. Nunca tinha ouvido falar dessa expressão até aquele instante. Li A Velha tantas vezes depois, que acabei decorando passagens inteiras... E quando olhei para trás, entendi que por trás das ladainhas dos rosários das minhas tias, da Nossa Senhora de Fátima que passeava de casa em casa, das promessas de bolos, flores, velas, todas cumpridas a muitas mãos femininas, das orações acompanhadas de ‘sinais da cruz’, feitas em sussurros nas costas das crianças doentinhas, havia muito mais do que a carolice conformista que eu, lá pelas tantas da adolescência, aprendera a criticar.
Por aquela porta entraram velhas sábias e mães terríveis. Passaram Uroborus engolindo a própria cauda e Grandes Deusas de onde tudo veio e para onde todos os seres do universo voltarão. Desfilaram deusas terríveis e deusas deslumbrantes, Kali e Shakti, Inana e Íris. E longe de serem representações frias, ressequidas habitantes das páginas dos livros, eu as descobria vivendo em mim, quentes e pulsantes, aspectos da alma feminina fascinantes e inexplorados, forças arquetípicas que transformavam o mundo em uma epifania feminina…a Terra virava Gaia e eu era parte dela…
Depois da Velha, vieram as Mulheres que Correm com o Lobo. Foi quando conheci minhas irmãs e elas iluminaram as tantas e tantas zonas escuras do meu ser feminino... Achei graça quando outro dia uma menina, muito jovem, veio me perguntar o que eu achava do livro de Clarissa Pinkola Estés. “Deixe na sua mesa de cabeceira, eu avisei, as palavras vão mudando e adquirem sentidos novos, à medida que você vai envelhecendo…é impossível de comprovar isso a olho nu, mas acontece, juro, coisa de bruxa!”
E veio o Círculo de Pedras, santuário feminino por excelência, a mais primitiva forma de construção sagrada, o primeiro templo. Um círculo, com pedras colocadas em sequência, ligeiramente afastadas umas das outras. Era lá que as mulheres e os homens se reuniam para compartilhar as histórias dos deuses... das deusas... Ring of Brogdar, Stonehenge... um dia, talvez quando eu já não for uma fiftie, vou percorrer essas formas estranhas, recortadas contra o céu de mãos dadas com minhas filhas…
E embrulhada no círculo, veio a pergunta: Como sua vida de mulher teria sido diferente se “existisse um lugar para você, um lugar de mulheres, um lugar onde outras mulheres, mais velhas, talvez, estivessem esperando para ajudá-la a fincar raízes na terra sagrada do feminino. Um lugar onde houvesse um entendimento profundo dos jeitos das mulheres e onde você pudesse encontrar alimento em todas as estações da vida. Um lugar de mulheres para ajudar você a enxergar seu próprio rosto e a avaliar sua própria estatura. Para ajudá-la a se preparar e para saber quando você estivesse pronta... Como sua vida seria diferente?”
É, a Velha Sábia me tomou pela mão há muitos anos e me conduziu por todas essas estradas vicinais... De vez em quando, engraçado, quando estou devorada de perplexidade, penso nela. E marcamos um encontro à sombra de uma árvore. Ela sempre está lá, envolvida por um xale, cabelos longos presos num coque folgado. Sorriso de quem, embora já tenha visto tudo, ainda é capaz de maravilhar-se. E o melhor colo do mundo...
A velha, mulher de idade, sabedoria e poder, de Barbara Walker, Editora A senhora
Mulheres que correm com os lobos, Clarissa Pinkola Estés, Editora Rocco
Circle of stones, woman’s journey to herself, Judith Duerk, Innisfree Press