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Aceitar a morte não significa desistir da vida

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 07/01/2005 12:28:35


Semana passada fui surpreendida com um comentário de uma paciente com câncer ao me dizer: “Você está me fazendo sentir vontade de viver, mas eu não devia sentir mais apego pela vida, devia aceitar a morte”! Seu desabafo nos levou a uma longa conversa sobre a importância de compreender que para aceitar a morte não precisamos desistir da vida.

Intelectualmente pode não ser tão difícil compreender que para aceitarmos a vida temos de aceitar a morte. Mas, por que emocionalmente rejeitamos essa premissa? Porque não nos sentimos preparados para deixar algo se ainda nos sentimos carentes dele! Ou seja, exatamente porque sentimos falta de vida em nossa vida é que não nos sentimos preparados para deixá-la!

Pode parecer um paradoxo, mas são justamente as pessoas que estão cheias de vida que demonstram paz quando estão enfrentando sua própria morte. Estar ao lado delas é em si uma experiência gratificante, pois, até mesmo quando não podem mais falar, nos transmitem mensagens de fé e serenidade. As pessoas à sua volta passam a falar por elas, lembrando de como souberam valorizar a vida!

Podemos não querer falar sobre a morte e, muito menos, sentir sua presença em nossas vidas. No entanto, catástrofes como das ondas Tsunamis no Oriente nos despertam um sentimento de urgência em compreender a morte para não perdemos a fé na vida: intuitivamente sabemos que enquanto separarmos a vida da morte estaremos presos ao medo de viver ambas experiências.

O que significa aceitar? A aceitação é o resultado de um acordo, no qual nos tornamos receptivos a algo. Isto é, aceitamos algo quando amadurece em nosso interior a confiança: não há mais luta, apenas abertura, pois todas as nossas resistências foram abandonadas.

Segundo a psicologia budista, aceitamos nos desapegar de algo quando estamos realmente satisfeitos. Por isso, quando amamos ou nos sentimos profundamente amados por alguém, aceitamos até mesmo nos desapegar desta pessoa ou situação: pois estamos bem estocados deste amor dentro de nós. As pessoas que aceitam morrer são aquelas que estão satisfeitas com suas vidas!

Desapego, neste sentido, significa estar nutrido de amor espiritual.
Todos nós já sentimos essa forma elevada de amor quando desejamos que a pessoa amada seja realmente feliz: com ou sem a nossa presença. No entanto, em geral, nosso amor é mais emocional que espiritual: amamos na carência, isto é, nos alimentamos do sentimento de que amar é sentir necessidade de receber o amor do outro. Neste sentido, damos excessivo valor a algo ou alguém só porque nos faz falta. Isto é, nos comunicamos melhor com o outro quando estamos longe dele!

Mas também é verdade que quanto mais soubermos reconhecer nossa capacidade de amar, menos dependentes estaremos da presença física da pessoa amada. A prova que esta premissa é verdadeira está no fato de que continuamos a amar alguém mesmo após sua morte. A dinâmica do amor continua em nosso interior: continuamos a nos dedicar à pessoa amada mesmo depois que ela já se foi. Rezamos por ela, e muitas vezes passamos a nos dedicar a finalizar seus projetos e realizar seus desejos.

Assim como explica Robert Sardello em seu livro Liberte sua Alma do Medo: “No amor espiritual, o bem da outra pessoa vive dentro de cada pensamento que me vem, quer o pensamento tenha ou não a ver com ela. O termo espiritual para essa qualidade é intento, que carrega um significado muito mais sutil do que quando dizemos que temos a intenção de fazer algo. Intento carrega o sentido de que alguma coisa mantida no pensamento se tornou tão real como se estivesse literalmente presente – não presente à minha frente, mas em todos os lugares dentro de mim. No amor espiritual, aquilo que se torna tão absolutamente real é a qualidade espiritual da outra pessoa, sentida no intento de ser orientada unicamente para o bem da outra pessoa. Na vida diária, o aperfeiçoamento do amor espiritual se concentra nos pensamentos que temos em relação à outra pessoa. Esses pensamentos não são iguais àqueles que surgem da saudade de alguém, da lembrança de algo que fizeram juntos no passado ou de pensar sobre o que a pessoa possa estar fazendo no momento. No amor espiritual, não necessariamente pensamos na outra pessoa, ao contrário, a outra pessoa, como espírito, tornou-se completamente entrelaçada à minha existência de modo que, mesmo sem perceber, ela está comigo a cada momento, de uma maneira que acentua a minha própria liberdade individual em vez de impedi-la”.



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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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