Adeus, Karol Wojtyla
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 08/04/2005 13:20:15
Todos sabem que não morro de amores pela Igreja Católica, mas também sei que não se pode julgar alguém sem ter andado nos sapatos dele. A Igreja é muito mais do que o Papa, assim como uma empresa ou país é muito mais do que o seu Presidente. Para começar a entender a pessoa de Karol Wojtyla, precisamos olhar o seu passado, antes dele se tornar Papa. É um passado muito bonito, de lutas contra o nazismo, depois contra o socialismo e a repressão, sempre com a idéia de falar para os jovens, não dentro de igrejas, mas nas montanhas, como Jesus. Não só falar, mas conversar, trocar idéias, escutar! Ah, essa palavrinha, tão esquecida pelos poderosos...
A Polônia, invadida pelos nazistas, e depois pelos russos, se viu oprimida por décadas. A Igreja, mais do que consolação, era o símbolo da resistência, da individualidade como nação. Ser da Igreja Católica era ser um revolucionário, até porque era proibido o culto religioso pelos comunistas. E Karol foi o expoente daquela "revolução" silenciosa.
Pegou uma igreja em fase de abertura, de expansão, com o Segundo Concilio do Vaticano (1962-1965) indicando uma fase de renovação, de um entendimento ecumênico e de uma abertura geral para o mundo. Por isso mesmo ele foi escolhido, um azarão que nem aparecia na lista de cotados para ser Papa. E ele, o primeiro papa não-italiano em 400 anos, com o carisma de quem já foi ator, angariou a simpatia não só de católicos, mas de gente do mundo todo. Um Papa jovem, atleta, que esquia, que fala a língua do país que visita, que beija o solo, que quebra o protocolo, que busca falar com as outras religiões... o que ele fez, em termos de marketing, para a aproximação da Igreja com o povo, não tem preço.
No Brasil, enquanto todas as autoridades e cardeais apenas podiam beijar a mão do Papa, deu um abraço afetuoso em Dom Hélder Câmara, (Que chegou a ser inspiração para a encíclica Populorum Progressio (Pelo progresso dos povos) do seu amigo pessoal papa João Paulo VI) arcebispo(*) recifense, lutador pelas causas dos desfavorecidos, perseguido pelo governo e até mesmo dentro da própria igreja. Em julho de 1980, quando esteve no Recife, o papa o chamou de "irmão dos pobres e meu irmão", diante da multidão. Dom Hélder gostava de mostrar a foto em que ele e o papa, segurando o solidéu, aparecem abraçados: "Em vez de me passar um pito, por eu não estar usando o solidéu, o Santo Padre tirou o seu da cabeça e o segurou numa das mãos", contava sorridente. O que eu posso falar de um homem desses?
É impressionante como este mesmo homem que se norteava pelos princípios cristãos mais puros seja o mesmo que fechou a Igreja Católica para o mundo, através de uma política repressora, ditatorial e conservadora (medieval seria a palavra mais correta). Em todo o mundo, as principais dioceses passaram a ser orientados por conservadores. Chegou a polemizar ao apoiar grupos de extrema direita, como a Opus Dei. No Brasil, por exemplo, reprimiu a (Nas palavras de Leonardo Boff: "A teologia da libertação está viva naquelas igrejas que fizeram a opção pelos pobres e pela justiça social, naquelas igrejas que têm comunidades de base, que trabalham com os sem-terra, com os negros e com os índios". Ora, é o que Dom Hélder fazia, e o Papa, com seu gesto sinalizava exatamente a direção que a Igreja deveria tomar no Brasil!) Teologia da Libertação(*) e tirou o vigor das CEBs (Comunidades Eclesiásticas de Base). Pregou duramente o (Que não se sustenta, pois até Paulo de Tarso já falou (1Cor 7) que seria melhor se fossem celibatários voluntariamente, como ele, mas que, se não podem suportar, que se casem.) celibato(*), mas foi omisso em combater (e o pior, procurava encobrir!) a pedofilia entre os padres. Reativaram a idéia medieval de banir certos livros do círculo católico, como o Código Da Vinci (aposto que adorariam queimar o autor). Proíbem o uso de métodos contraceptivos, como a camisinha e a pílula, em plena época de AIDS. Foi na contramão da Reforma, centralizando a Igreja em Roma. Como resultado, temos a queda do número de casamentos civis e religiosos, a fuga de fiéis para religiões híbridas e o afastamento da juventude e dos acadêmicos universitários, que se aproximaram do secularismo, do ateísmo pragmático ou do neopaganismo emergentes. O contrário do que o Karol de outrora queria, pregava e fazia... é por essas e muitas outras que o Papa João Paulo II pode entrar para os livros de história como o "Papa das contradições". Mas, será mesmo que as contradições partiram do Karol?
Podemos dividir a vida do Papa em duas partes: uma, com saúde, na expansão da Igreja e dos ensinamentos de Cristo. Outra, na contração, endurecimento e enrijecimento de dogmas que NÃO foram ensinados por Cristo. Estaria mesmo João Paulo II no controle da Igreja esse tempo todo? Muitos acham que não. Joseph Ratzinger, cardeal alemão ultraconservador, seria o homem mais poderoso no Vaticano, estaria por trás da maioria das decisões do Papa nas últimas décadas, sendo ele o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Tribunal da Inquisição). Precisa dizer mais?
Ainda assim, o Papa fez coisas que nunca imaginava que a Igreja faria, no sentido de fugir do estigma de retrógrado. Opôs-se à invasão do Iraque, classificando-a de "imoral e injusta", e quando Bush tentou usar Deus para justificar sua "guerra santa", ele retrucou algo como "Deixe Deus fora disso", o que me fez dar pulos de alegria e gargalhadas às custas da cara de Bush, que nunca mais usou esse artifício. Outra vitória para a espiritualidade foi a afirmação de que " (O Céu não é um paraíso entre nuvens de algodão, mas um estado de espírito. Assim como o Inferno, que nem de longe é uma fornalha incandescente, mas um símbolo da condenação eterna.
(Papa João Paulo II, em 1999)) Céu e Inferno são estados de espírito(*)". Esse pra mim vai ser o legado do Papa para a humanidade, pois um dos maiores dogmas (e marketing) da Igreja Católica em centenas de anos foi derrubado de cima para baixo, sem stress. Também reabilitou Galileu Galilei, Giordano Bruno e Copérnico, começou a reconhecer as teorias científicas de Darwin (que derrubam a idéia estúpida do criacionismo separado da evolução, que só existe hoje na mente dos Texanos), e (Embora não tenha pedido desculpas aos judeus por ter sido omissa na 2ª guerra e nem aos árabes pelas cruzadas.) aproximou-se(*) das religiões judia e árabe no sentido de promover um só Deus. Só sei que a Polônia perdeu ao mesmo tempo um Chefe-de-Estado, um orgulho nacional e um líder religioso, algo como perder no mesmo dia um Senna, um Juscelino e um Chico Xavier. Foi Karol Wojtyla que libertou, de forma direta e indireta, a Polônia do jugo socialista. Algo que refletiu profundamente na queda do (A idéia de que o Papa acabou com o comunismo é exagerada, já que foram problemas internos e econômicos que desestabilizaram o sistema.) comunismo(*). Mas sabemos que nada se perde, tudo se transforma. No último sábado perguntamos a Oráculo sobre notícias do Papa (já haviam noticiado seu desencarne) e ela falou que ainda era muito cedo pra isso, mas que ele "subiu" como Chico Xavier (ou seja, pelo que sabemos de um livro espírita, Chico foi direto para dimensões superiores e desconhecidas por nós, logo depois do funeral, sequer se detendo no nosso plano astral).
Nos últimos anos, o Papa apegou-se à vida como quem se agarra a uma árvore num vendaval. Parecia preocupado em reforçar sua imagem de liderança, de que iria até o fim em sua missão. Que estaria havendo nos bastidores do Vaticano?
Referência: Estadão: a história do Papa; João Paulo II: Um retrocesso para a Igreja Católica