Agora que voltei para casa - Capítulo 17
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 03/09/2004 14:22:44
A primeira consulta após a colocação do aparelho foi inesquecível. Meu terapeuta me colocou numa daquelas cadeiras de dentista em que o corpo fica todo esticado, pediu-me para fechar os olhos e me disse que nossa primeira experiência seria como se ele fosse me apresentar suas credenciais, como se nossas energias precisassem se conhecer.
Nunca contei isso para ninguém (e muito menos a ele), mas durante aquela sessão eu tive umas sensações extremamente eróticas. Ao contrário do que seria de se esperar, em vez de me sentir envergonhada ou assustada senti uma enorme confiança no processo que estava se iniciando, e obviamente saí do consultório com uma sensação fantástica de libertação. Lembro que fiquei muito lisonjeada quando, ao final, ele me disse que eu tinha energias muito lindas. Isso só fez aumentar a aura de mistério que todo o processo teve para mim desde o primeiro momento.
Era exatamente esse mistério o que mais me atraía, muito mais do que a ansiosa espera do que aconteceria com meu corpo, após cada sessão. Ele tinha me alertado, desde o primeiro dia, que eu iria ter uma série de reações de todos os tipos, absolutamente imprevisíveis. Colocou à minha disposição seus telefones pessoais, onde poderia encontrá-lo a qualquer hora. Nunca precisei incomodá-lo, mas a partir daí começou uma nova escuta do meu corpo, para detectar toda e qualquer mudança.
Uma coisa muito estimulante era trocar impressões com as pessoas que encontrava na sala de espera. Era muito fácil abordar as pessoas, por termos em comum algo muito especial, que ajudava a criar uma cumplicidade imediata. Conheci pessoas encantadoras enquanto esperava minha vez, o que me devolveu um pouco de minha esperança abalada no gênero humano.
O primeiro teste pelo qual os “pacientes” deviam passar era justamente a paciência. Quem entrasse naquele consultório aprendia que, uma vez estabelecido o contato com o terapeuta, a noção de tempo passava a tomar uma conotação diferente da habitual. Desde que ele começava a sessão, o rumo da conversa ou do trabalho corporal podia tomar as mais variadas direções, e o importante sempre era o “aqui e agora”, sem preocupações de qualquer espécie. Isso dava a toda a sessão uma dimensão transcendental. Eu sempre tinha a impressão de ter subido num foguete rumo ao desconhecido, o que para mim era altamente eletrizante.
Nos primeiros meses, era tanto meu entusiasmo e meu envolvimento, que minha vontade seria de convencer todos os que tinham alguma doença a aderir ao tratamento.
O primeiro ano foi o mais angustiante de todos, porque tinha a impressão de que, se não piorara, certamente não melhorara. É verdade que, desde o começo, tive de abandonar toda e qualquer medicação. Isso para mim não foi muito difícil, porque sempre tomara os remédios convencionais sob protesto. Já tinha percebido que os remédios não faziam muita diferença, porque mesmo com eles nunca deixara de sentir dores. Só que, psicologicamente, isso no início eqüivalia a tirar as muletas, e uma certa insegurança e desconforto eram inevitáveis.
De alguma forma, ficava à espreita de cada nova reação, e nunca parava de me surpreender com a capacidade de recuperação que o corpo tem. Continuava a passar minhas noites rolando de um lado para o outro por causa das dores, principalmente nas pernas. Agora havia também uma dor nova, a dos dentes, e fiquei craque em agüentar impávida, porque sabia que não se tratava de uma dor convencional, mas de um processo que me traria importantes modificações.
O que me parecia o maior mérito desse tratamento era o fato de que o terapeuta enfatizava o tempo todo a sabedoria da natureza, explicava de uma maneira nova os diferentes ciclos da biologia humana e, sobretudo, ensinava a esperar e a confiar no poder fantástico de recuperação que a natureza humana possui. Ao contrário do que acontecia nos outros consultórios, eu ouvia falar muito mais em saúde do que em doença. A lição preciosa que nunca mais esqueci foi a de não levar muito a sério os sintomas, mas confiar no poder de cura de que todos nós dispomos.
Toda minha vida girava em torno daquele encontro quinzenal.
Eu ainda não tinha consciência disso, mas justamente o evoluir do processo me mostrou um meu padrão de comportamento muito sintomático. Para que minha vida tivesse sentido, para garantir o oxigênio indispensável à minha alma, eu precisava contar com alguém de quem pudesse aprender coisas. As pessoas que eu mais admirava eram aquelas que sabiam alguma coisa mais do que eu.
Quando comecei o tratamento de biocibernética, estava ainda toda impregnada desse tipo de condicionamento. O terapeuta me explicava que tudo o que iria se transformar em meu corpo seria precedido por uma mudança em minha cabeça, em minha visão das coisas.
A princípio isso me parecia incompreensível demais para que pudesse aceitá-lo racionalmente. Tomei o partido de não querer entender tudo da maneira habitual. Deixei-me embalar pelos efeitos que cada sessão provocava em mim. Sempre saía de lá com uma maravilhosa sensação de que estava sendo admitida a um plano superior de conhecimento, como se pertencesse a uma “intelligentsia” não acadêmica, que me interessava cada vez menos, mas a uma outra, sintonizada num registro muito mais fino. Meu terapeuta vivia me surpreendendo com jogos de palavras que me faziam refletir sobre a linguagem muito mais do que qualquer curso de lingüística.
Cada vez ele me transportava para mundos inimagináveis com seus raciocínios surpreendentes e com informações de todo tipo. Eu chegava à sessão com o firme propósito de falar de certas questões que me atormentavam, ou de problemas meus concretos. Quase nunca conseguia colocá-los, porque preferia embarcar na nave espacial que ele me oferecia, e acompanhar maravilhada sua mágica trajetória.
O que ele fez comigo, aos poucos, sem causar abalos, foi me fazer enxergar de que forma eu era condicionada pelos padrões que os outros queriam me impingir, sufocando meus verdadeiros anseios. Com carinho, com amizade, levou-me a tomar consciência de todos os grilhões que me prendiam. O mais poderoso, o que talvez ainda não esteja totalmente removido, é o do moralismo estreito que a igreja católica me inculcou. Acontece que, como seria de se esperar considerando meus precedentes, acabei me apaixonando por ele.