Agora que voltei para casa - Capítulo 31
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 10/12/2004 15:44:04
Realmente estava me sentindo como se tivesse ficado órfã, e pela primeira vez senti a angústia de estar aposentada, sem um lugar para onde me dirigir, e sem projetos à vista.
Estava frente à frente com o fantasma que sempre procurei exorcizar: a sensação de vazio.
Eu acho que existem milhões de coisas que cada um pode fazer para preencher o tempo, isso não é problema. O difícil é convencer a alma da gente de que estamos fazendo exatamente o que ela espera que façamos para preenchê-la.
A minha não estava nem um pouco satisfeita.
Eu já sabia distinguir o que eram os fins e o que eram os meios, não podia mais enganar a mim mesma. De repente sentia-me tão cansada de experimentar coisas, já tinha recebido tanta informação, que não tinha mais energia para começar tudo de novo. Era como se estivesse me sentindo intoxicada, nada mais podia entrar.
O que estava muito claro, apesar de tudo, é que não poderia ficar parada, em nenhum sentido.
Naquela altura a vida já tinha me convencido de que a minha “doença” nada mais era senão um meio de procurar caminhos que nunca teria trilhado se não tivessem surgido aqueles sintomas. Ainda estava longe da conscientização real do porquê daquilo tudo, mas pelo menos já tinha recebido suficientes avisos para me afastar de um certo tipo de vida fútil que provavelmente minha vaidade teria me levado a seguir.
Meus problemas físicos eram um ótimo pretexto para me manter ocupada buscando terapias, medicinas alternativas, soluções, etc.
Ao mesmo tempo, sabia que não podia me dar ao luxo de guardar para mim tudo aquilo que tinha armazenado, e que estava me sufocando, pedia para ser compartilhado.
A escritura, durante a minha vida toda, sempre foi uma válvula de que lancei mão, mesmo sem que eu tivesse consciência de quanto isso me ajudava a não deixar agravar meus sintomas. Sempre foi a maneira que encontrei de compensar minha impossibilidade de revelar aos outros minhas feridas mais íntimas.
Além de não saber muito bem o que fazer com tudo aquilo, eu não queria me ocupar com nada que lembrasse um trabalho intelectual. Acima de tudo, minha autocrítica e o medo do julgamento me impediam de pensar nesse tipo de exposição.
Nessa situação de impasse angustiante, um dia, numa de minhas andanças um pouco ao acaso, deparei-me com uma unidade de uma famosa instituição para crianças excepcionais.
Senti um impulso irresistível de entrar, e quando fui posta frente à frente com a realidade daquelas pessoas, fui tomada de uma emoção tão grande, uma solidariedade tão forte com aquele mundo, que julguei ter encontrado o melhor destino possível para o meu tempo: poderia trabalhar como voluntária numa daquelas unidades.
Fui imediatamente me informar, mas meu entusiasmo recebeu a primeira ducha fria: precisava esperar a data para ser admitida num curso de treinamento, que só aconteceria no ano seguinte. Assim mesmo não desisti: esperei pacientemente até conseguir todas as credenciais necessárias para ser encaminhada a um setor onde pudesse me inserir.
A experiência só me serviu para verificar a distância que corria entre meu sonho de poder interagir no mundo daquelas criaturas, e a realidade, que era completamente outra.
Naquela ocasião não tinha condições de perceber, mas agora sei que eu é que estava completamente defasada, fora da realidade.
Um trabalho voluntário exige, como é óbvio, pessoas dispostas a encarar qualquer tipo de atividade, de acordo com a necessidade da instituição. Eu ainda alimentava o sonho romântico de poder compartilhar minhas experiências num ambiente que nem previa o contato direto com os principais interessados.
Procurei mudar de setor, para ver se conseguia me adaptar melhor, mas cheguei à conclusão de que meu projeto não era compatível com as possibilidades existentes.
Ainda procurei outras instituições similares, mas a conclusão foi a mesma: eu é que tinha uma visão que me impedia de me sentir à vontade com as exigências daquele mundo.
De novo estava me sentindo emperrada, desajustada no mundo que me cercava, como se tivesse voltado à estaca zero.
Chegados a esse ponto, parece que estou ouvindo as reações de meus eventuais leitores (será que ainda resta alguém que teve a paciência de me seguir até aqui?): “Mas então, de que adiantou tudo aquilo que você aprendeu até aí?”
Era exatamente esta a pergunta que eu me fazia, sentia como se estivesse patinando, não conseguia sair do lugar.
Se L. tinha morrido, a vida continuava, e eu poderia perfeitamente procurar outros ambientes onde aplicar o que tinha aprendido. Mas era como se uma mola tivesse se quebrado, eu não encontrava energia para substituí-la.
Mais uma vez, meus guias espirituais vieram em minha ajuda, usando como veículo um terapeuta, F., que já tinha se tornado meu amigo e que me introduzira ao mundo do watsu.
Esta palavra, que é a junção de “water” com “shiatsu”, se refere a uma maravilhosa modalidade de hidroterapia que tem o dom de curar os males do físico e de alimentar também a alma.
Já o fato de ter descoberto essa fantástica forma de relaxar tinha sido um presente que me devolvia o luxo de me sentir leve, flexível, durante aquela hora e meia em que embarcava numa deliciosa viagem longe dos problemas do dia-a-dia.
O melhor de tudo, porém, foi entrar em contato com uma equipe de terapeutas que compartilham uma mesma filosofia de vida e trabalham de maneira realmente diversificada, sob a batuta de meu amigo F.
Tive o privilégio de receber durante muito tempo uma sessão semanal, até que um dia F. declarou que estava na hora de eu receber um shiatsu mais vigoroso, fora da água.
Sugeriu-me que procurasse outro terapeuta, S.