Agora que voltei para casa - Capítulo 5
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 11/06/2004 12:48:19
De volta a São Paulo, nem tudo se revelou como tinha idealizado. M. me acolheu com o entusiasmo de sempre, mas meu pai se encarregou de jogar água fria na fervura.
Já não tinha meu emprego, porque nesse ínterim o diretor italiano tinha voltado para a sede de seu Banco em Milão, e outra secretária, que eu mesma tinha ajudado a colocar na Financeira, ocupava meu lugar. Felizmente não precisei perder o ano na faculdade: consegui fazer exames de segunda época que me deram o direito de recuperar o tempo perdido.
Não foi difícil encontrar um novo emprego de secretária numa firma italiana. Ali eu podia manter o contato com a língua pátria, e usufruir ao mesmo tempo da liberdade que a vida paulistana me oferecia.
Agora que não tinha mais a obsessão da volta para a Itália a me atormentar, podia me dar ao luxo de me aprofundar numa busca interior cujo chamado sempre estivera latente. Embora eu continuasse a seguir à risca todos os preceitos da Igreja Católica, sempre me sentira atraída por outras explicações sobre os mistérios da existência. O mundo esotérico exercia um enorme fascínio sobre mim. Já tinha me encantado com as obras de Lobsang Rampa, Paul Brunton, Mabel Collins, Krishnamurti e todos os que estavam disponíveis na época. Um dia, como se estivesse sendo guiada por uma força desconhecida, parei na frente de um portão que me atraía como um ímã. Era um Instituto de Yoga, onde se ensinavam os exercícios físicos e se ofereciam também aulas teóricas particulares. Poderia haver combinação mais perfeita para alcançar o que mais almejava naquele momento? A Hatha Yoga me ensinaria o domínio do corpo, que desde sempre eu valorizava, e a Raja me traria o alimento que minha alma sempre pedira, mesmo sem eu saber.
Agora tinha à disposição, só para mim, um professor que poderia responder a todas minhas perguntas. Eu bebia todas suas palavras como se se tratasse de um oráculo, fazia longas listas de perguntas que toda semana trazia para a aula. Que diferença dos ensinamentos religiosos que recebera até então! Aqui não se falava de pecado nem culpa, tudo tinha uma explicação que levava em conta a evolução do espírito através de sucessivas reencarnações.
Eu atribuía a meu professor de Raja o poder de esclarecer todas minhas dúvidas, e naturalmente o via como o super-homem capaz de suprir todas as minhas necessidades.
Era tão evidente que me preparava para ir às aulas como quem vai a um encontro amoroso, que só a minha cegueira não me deixava ver que estava completamente apaixonada por ele.
Se eu tivesse a maturidade emocional compatível com minha idade, nada teria me impedido de pelo menos manifestar diretamente meus sentimentos. Mas, desde criança, tudo o que se referia a contatos com o sexo oposto sempre vinha precedido de um sinal de perigo. Eu aprendera que todos os meus desejos deveriam ser cuidadosamente recalcados. Além do que, no código de boa conduta que me fora transmitido, nunca uma mulher poderia se insinuar para um homem.
Meu professor era jovem e solteiro, mas obviamente eu não era a mulher dos seus sonhos. Isso não impediu que houvesse um episódio de mútua atração, que nos uniu num beijo inesquecível, e que me fez por uns poucos minutos experimentar sensações nunca antes conhecidas.
Essa foi a última vez em que nos encontramos, porque na semana seguinte recebi a notícia de que A. tinha se afastado do Instituto e que iria se casar. Eu poderia, se quisesse, freqüentar as aulas que o guru do Instituto estava ministrando a um grupo de pessoas.
Foi o que eu fiz, mas meu interesse pelas aulas obviamente não era mais o mesmo.
O guru era uma pessoa muito carismática que me inspirava um respeito quase sagrado e nenhuma coragem de me aproximar. O que ele ensinava era muito interessante, mas eu assistia às aulas à noite, depois do trabalho, e às vezes estava tão cansada que custava a me manter acordada. Meus companheiros de grupo eram pessoas de uma classe social mais elevada, o que também me fazia sentir um certo distanciamento.
Às vezes, depois da aula, íamos todos jantar juntos. Os assuntos discutidos giravam em torno de altas questões filosóficas e esotéricas que eu não tinha condições de acompanhar, o que aumentava minha sensação de estar ocupando um lugar que não era o meu.
Na verdade, todos os ensinamentos que estava recebendo me traziam ecos de algo familiar, mas ainda não estava preparada para vivenciá-los. Faltava-me resolver muitas das questões básicas desta existência para poder experimentar vôos mais altos.
Forte de meus novos conhecimentos sobre Yoga, quis escrever a L., aquele italiano do navio, para lhe demonstrar que eu só não o tinha procurado, embora tivesse o endereço, porque tinha suficiente autodomínio. Recebi em resposta uma carta dele dizendo que estava escrevendo da prisão. Contou-me que naquela viagem estava transportando droga, embora afirmasse que não era viciado. O choque me fez esquecer toda a raiva que tinha dele, e lhe respondi perguntando o que poderia fazer para ajudá-lo. Ainda tive de receber uma resposta me repreendendo por ser tão impulsiva, quase me pondo em guarda contra tipos como ele. Muito tempo depois lembrei-me daquele pacote que ele me dera para segurar: certamente aí estava a droga.
Naquela altura, eu estava trabalhando o dia todo, ia à faculdade à noite e de vez em quando me encontrava com M., sempre às escondidas. Minha viagem à Itália, em vez de nos aproximar, tinha surtido o efeito oposto. Eu não podia compartilhar com ele nenhuma de minhas novas descobertas, pois sabia de sua aversão pelos meus estudos. Ele também tinha mudado muito, agora trabalhava por conta própria, estava sempre ocupado (mas toda vez que eu telefonava para ele, imediatamente aparecia). Quando nos encontrávamos, sempre tinha alguma estória mirabolante para me contar, rica em peripécias e lances perigosos. Também não me escondia as inúmeras aventuras amorosas, que mencionava talvez para me fazer ciúmes. Eu não me importava muito, porque no fundo tinha uma secreta convicção de que, se eu quisesse, ele seria só meu. Ele também tinha a secreta convicção de que eu estava me guardando para ele. Só que ninguém falava abertamente para o outro o que estava realmente sentindo.
O tempo foi passando, e eu já estava no último ano da faculdade. O professor francês, leitor da cadeira de língua e literatura, que nos acompanhava desde o primeiro ano, me ofereceu uma bolsa de estudos para um curto estágio de inverno na Aliança Francesa de Paris. Aceitei cheia de entusiasmo, pois conhecer Paris era o sonho de todos nós e, naturalmente, agradava-me a idéia de dar um pulo à Itália.