As flores que brotam no nosso coração
por Izabel Telles em EspiritualidadeAtualizado em 18/08/2003 10:50:54
A cidade está florida. Uma sinfonia de cores, formas e equilíbrio que só poderia ter saído das mãos do Criador. Primaveras abrindo seus biquinhos cores de rosa, lilases ou mesmo brancos, abanando para o mundo seus pistilos leves e plumados. Copos de leite alvos como os lençóis de cambraia oferecem seus bojos como seios fartos prontos para nutrir. Cravinas vermelhas com suas bainhas recortadas à mão fazendo voltinhas minúsculas que mais parecem florzinhas de papel crepom. Lírios brancos, amarelos, alaranjados dobrando-se pelos caules tal o peso de sua coroa. Meu Deus! Onde eu estava quando o Senhor criou tantas maravilhas! Porque não me chamou para me ensinar como tingir os girassóis e bem no centro do seu miolo depositar suas milhares de sementes milagrosas.
Eu saberia hoje transformar qualquer dor em beleza. Porque o Senhor não me convidou para anelar as ondas azuis dos mares e neles fazer viver centenas de espécies que convivem entre si de forma pacífica e ecológica. Eu, com certeza saberia me manter justa e nobre nos meus relacionamentos vivendo sem julgar, sem condenar, sem excluir, sem reclamar, sem vociferar contra as agruras do viver. Eu seria mais feliz e faria as pessoas mais felizes. Porque, meu Pai, o Senhor não me convocou para arar seus campos de terras férteis e produtivas para nelas espalhar, com justiça e sabedoria, o trigo, a cevada, o alecrim. Ah, Pai! Eu seria com certeza uma pessoa melhor se tivesse aprendido a oferecer ao mundo fartura, bondade, singeleza e acima de tudo humildade.
Sei que me chamou, Pai. Sei que me convocou tantas vezes. Quase ouvi sua Voz nos cânticos dos ventos. Quase vi Seu piscar de olhos entre o nascer e o por do sol.
Mas eu estava dormindo, anestesiada pela ilusão desta vida, distraída a mirar vitrines de roupas que também são belas mas não tão belas quanto as vestes que cobrem seus campos de alfazemas.
Me perdoa, Pai. Me perdoa e me inclui novamente na Sua lista de favoritos. Me chama com gritos se não consigo ouvir Sua voz mansa, justa e doce. Me acorda com uma grande sacudidela se não consigo sentir Seu sopro quente e delicado. Juro que não vou reclamar dos solavancos. Sei que eles também foram feitos para me acordar, para me tirar deste torpor horrendo que o dia-a-dia nos impõe. Abre bem os meus olhos para que eu veja meu irmão sendo morto, meu amigo passando fome, meu vizinho chorando sozinho sua solidão infindável. Põe nas minhas mãos as sementes dos Seus bem-me-queres para que eu saiba plantar no coração dos meus semelhantes.
Por favor, Deus, me faz melhor. Me faz mais humano. Me resgata desta multidão sonolenta que caminha com os braços soltos ao longo do corpo, sem expressão, sem graça e sem beleza. Me faz destaque da Sua Escola e me deixa dançar ao som das magníficas sinfonias que só o Senhor sabe compor.
Me faz mais justo, mais bondoso, mais compassivo. Imprime no meu rosto um eterno sorriso de satisfação. Me pega no colo como todo pai sabe fazer e me leva para o caminho onde todas as coisas fazem sentido porque fazem sentido.
Arranca do meu coração meus desejos para que eu possa ir ao encontro da verdade pela linha reta. Me dá, Pai, um carro alado puxado por cavalos brancos de asas de ouro e crina de prata para que com ele eu consiga entrar no mundo da imaginação e, neste fabuloso mundo, eu consiga Te ver com Seus olhinhos azuis e brilhantes de pai amoroso que acolhe e aninha e perdoa e faz um maneio de ombros como quem diz:
-- Bem vinda filha. Eu te amo e nunca te esqueci. Penso em você em cada minuto. Fui Eu que tirei aquela arma apontada para o seu ouvido. Fui Eu que resgatei seu filho da agonia da morte, fui Eu que lavei os teus cabelos quando eles sangravam de dor. Fui Eu que coloquei aquela fruta ao lado da sua cama quando você achou que não tinha mais nada para comer.
Ah! Paizinho, me aceita de novo na sua casa e me dá abrigo porque o mundo aqui fora, apesar das flores e dos riachos, não está nada fácil!