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Como nos separar daqueles que amamos

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 18/10/2007 14:17:20


Quando aqueles que estão morrendo são nossos entes mais queridos, a dor da separação é intensa.

Certa vez, escutei Sogyal Rinpoche dizer: “Só aceitamos nos desapegar de alguém, quando sentimos ter recebido tudo que gostaríamos por meio desta pessoa”. Ou seja, só nos desapegamos daquilo que estamos plenamente satisfeitos.

É mais fácil nos separarmos daqueles que sentimos amar e por quem nos sentimos amados, pois, desta forma, preenchidos de amor em nosso interior, não vivenciamos a separação como uma perda de nossa capacidade de amar. Desapego, neste sentido, significa estarmos satisfeitos, nutridos de amor espiritual.

No entanto, em geral, temos dificuldade de entrar em contato com esta forma de satisfação, porque nos concentramos mais no que ainda gostaríamos de receber, do que no reconhecimento do prazer já recebido. Por isso, apesar da satisfação não surgir através da análise racional de um fato, mas, sim, da experiência genuína de um sentimento, muitas vezes temos que recorrer à análise mental para despertarmos a força curativa do sentimento em nossa psique.

Quando somos tocados por essa forma elevada de amor, desejamos que a pessoa amada seja realmente feliz: com ou sem a nossa presença.

No entanto, em geral, nosso amor é mais emocional que espiritual: amamos na carência, isto é, nos alimentamos do sentimento de que amar é sentir necessidade do outro. É comum pensarmos que o outro irá reconhecer que nos ama somente se nos afastarmos e o fizermos sentir nossa falta, ou seja que só seremos valorizados na ausência. Ao contrário do que se pensa, porém: amar é não sentir falta!

Quanto mais soubermos reconhecer nossa capacidade de amar, menos dependentes estaremos da presença física da pessoa amada. A prova que esta premissa é verdadeira está no fato de que continuamos a amar alguém mesmo após sua morte.

A dinâmica do amor continua em nosso interior: continuamos a nos dedicar à pessoa amada mesmo depois que ela já se foi. Rezamos por ela, e muitas vezes passamos a nos dedicar a finalizar seus projetos e realizar seus desejos.

Enquanto escrevi parte deste texto, acompanhei os quatro últimos dias de vida de Adriana, amiga de muitos amigos, uma psicanalista prática e serena ao mesmo tempo. A sua aceitação diante da terminalidade foi exemplar. Deixou-nos muitas vezes surpresos e ao mesmo tempo confiantes de que ela, apesar da forte dor física, estava com a mente preparada para falecer. O amor de todos por Adriana era evidente: cada um, a seu modo, demonstrou estar disposto a fazer o que fosse necessário para contribuir pra seu bem-estar.

Nos dias que sucederam sua morte, Márcia, sua grande amiga com quem compartilhava o apartamento, me disse: “A melhor experiência que tive depois da morte dela, foi quando arrumei o seu quarto, retirando todo o material do home care, fazendo a cama, colocando incenso, tocando os mantras no som.... ali eu tive pela primeira vez uma sensação de paz, por estar continuando a cuidar da Adriana. Cuidar da energia do quarto dela me deu o conforto necessário para poder acolher a sua morte”.

Assim como explica Robert Sardello em seu livro Liberte sua Alma do Medo (Ed. Fissus): “No amor espiritual, o bem da outra pessoa vive dentro de cada pensamento que me vem, quer o pensamento tenha ou não a ver com ela. O termo espiritual para essa qualidade é intento, que carrega um significado muito mais sutil do que quando dizemos que temos a intenção de fazer algo. Intento carrega o sentido de que alguma coisa mantida no pensamento se tornou tão real como se estivesse literalmente presente – não presente à minha frente, mas em todos os lugares dentro de mim. No amor espiritual, aquilo que se torna tão absolutamente real é a qualidade espiritual da outra pessoa, sentida no intento de ser orientada unicamente para o bem da outra pessoa. Na vida diária, o aperfeiçoamento do amor espiritual se concentra nos pensamentos que temos em relação à outra pessoa. Esses pensamentos não são iguais àqueles que surgem da saudade de alguém, da lembrança de algo que fizeram juntos no passado ou de pensar sobre o que a pessoa possa estar fazendo no momento. No amor espiritual, não necessariamente pensamos na outra pessoa, ao contrário, a outra pessoa, como espírito, tornou-se completamente entrelaçada à minha existência de modo que, mesmo sem perceber, ela está comigo a cada momento, de uma maneira que acentua a minha própria liberdade individual em vez de impedi-la”.
Texto extraído do livro Mania de Sofrer de Bel Cesar (Ed.Gaia)

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Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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