Encosto
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 26/03/2004 16:39:47
Nas sessões de descarrego da Igreja Universal, o fiel em transe é levado ao púlpito. O pastor puxa o seguidor pelos cabelos e interroga o suposto espírito diante de uma platéia extasiada.
Em pleno horário nobre da televisão, demônios e almas de má índole estrelam uma estranha atração, com ares de reality show. O programa ‘Coisas da Vida’ exibe cenas super-realistas captadas em cultos da Igreja Universal do Reino de Deus.
Dramas de toda sorte, martela o programa, são causados por 'encostos', almas penadas que, segundo os ditames das religiões afro-brasileiras, têm o dom de entravar a vida das pessoas. Provocam de tudo: de dores de cabeça e crises de depressão a ataques de formigas na cozinha. Às vezes, a retórica fica ainda mais macabra. Em vez de encostos, exibe-se o que seria a manifestação do próprio demônio.
'As pessoas são sugestionadas pela voz autoritária do pastor até atingirem uma espécie de estado hipnótico', diz a psicóloga paulista Denise Ramos. A repetição das orações em voz alta, de olhos fechados, conhecida pela medicina como respiração holotrópica, produz um fenômeno de super-oxigenação no cérebro. O resultado é um rebaixamento dos níveis de consciência. Quem está no meio de um agrupamento tomado pela euforia tende a se deixar contaminar pela emoção. Há um mecanismo do sistema límbico do cérebro, o mais básico da área nervosa, que induz a pessoa a se comportar segundo as atitudes da multidão que a cerca. 'É por isso que choramos em comícios ao ouvir o Hino Nacional', compara Denise.
A gritaria dos milhares de fiéis que participam das sessões de descarrego contagia quem está lá carregando conflitos psicológicos. 'O povão não tem acesso à psicanálise. As pessoas procuram esses cultos populares para aplacar seu inferno interior', diz o pastor Mozart Noronha, da Igreja Luterana do Brasil.
Para evocar os demônios, os pastores fazem orações repetitivas. A mente humana tende a aceitar como verdadeiras as frases proferidas sucessivamente, em tom de autoridade e num ambiente emocional. Os obreiros apertam e balançam a cabeça ou o corpo do fiel em movimentos circulares. A tontura e a falta de apoio no chão são fatores que induzem o transe. O burburinho das pessoas rezando e gritando rebaixa os níveis de consciência de fiéis suscetíveis. Quem está no meio de uma multidão é influenciado pelas emoções dos indivíduos ao redor. Em algumas igrejas, junto com a música, são reproduzidas gravações de gritos e sons de assombração. Esses ruídos estimulam o inconsciente das pessoas em transe a considerar real aquela manifestação.
Resumo da Revista Época