Entendendo nossa natureza sombra
por Elisabeth Cavalcante em EspiritualidadeAtualizado em 11/11/2002 11:58:28
Uma atitude usual do ser humano é procurar compensar de algum modo seus pontos vulneráveis. A reação mais comum é desconsiderar totalmente o lado negativo, fingindo que ele não existe.
Mas isso não faz com que ele desapareça. Aliás, empurrar nossos sentimentos negativos e nossas limitações para dentro do armário escuro ou para debaixo do tapete só faz com que eles ganhem mais força.
O psiquiatra e psicanalista suíço Carl Gustav Jung chamou de “sombra” a personificação da natureza animal e instintiva do homem, que abrange todos os tipos de anseios primitivos bem como as chamadas “tendências malignas”.
A sombra é o inimigo natural do ego, pois o material inconsciente compensa de uma forma diretamente proporcional as qualidades que foram vinculadas ao ego. O tema da polaridade e do equilíbrio se repete aqui.
Quanto mais uma pessoa se esforça para ser boa e agradável, mais a parte dela que deseja negar essas qualidades se acumula no inconsciente.
Quando alguém busca expressar o que há de melhor em si - a generosidade, o bom humor, o espírito de cooperação - a psique, precisando manter o equilíbrio, impregna a sombra da metade negra dessas qualidades que foram enxertadas no ego.
Esse conteúdo rejeitado se projeta nas pessoas que personificam tudo o que desprezamos e consideramos estranho à nossa natureza.
Depois de impregnar o ego das qualidades agradáveis da generosidade, espírito de cooperação e bom humor, as qualidades opostas que a sombra encerra - o egoísmo, a não cooperação e a circunspeção - caem sobre qualquer objeto capaz de conduzir a projeção. Mas seja a projeção bem sucedida ou não, a sombra nos segue aonde quer que vamos.
E se nos permitíssemos um pequeno entendimento da nossa natureza “sombra” e pensássemos em todas as qualidades de que não gostamos nos outros?
Isso envolveria uma revisão da nossa interpretação das causas fundamentais dessas aversões.
Encontramos na raiz do caráter das pessoas egoístas, ciumentas, hipócritas, rabugentas e fanfarronas, o medo.
A pessoa egoísta tem medo de ser generosa com os outros, em geral não consegue nem mesmo ser generosa consigo mesma, confiando pouco na natureza humana. A pessoa ciumenta teme perder algo que lhe é muito caro, receia que alguém vá lhe tirar sua preciosa satisfação.
A pessoa hipócrita não confia em seu próprio discernimento, tendo receio de admitir a verdade tanto para si quanto para os outros. O tipo rabugento é semelhante ao ciumento, teme perder suas posses, receia acabar sem nada.
O fanfarrão tem medo de si mesmo, precisa fazer mais barulho do que os outros simplesmente para ficar impressionado com as próprias qualidades. Ele teme ser impotente, de modo que intimida as pessoas mais fracas que ele para poder perpetuar sua posição.
É claro que, a priori, todas estas facetas de caráter não nos parecem aceitáveis. Porém, para algumas pessoas estes tipos provocam reações emocionais extremas, que acabam trazendo-lhes problemas no dia-a-dia.
Quando isto ocorre, é necessário que elas meditem de forma profunda, buscando entender se este sentimento tão forte representa um medo de encarar em si mesmas aquelas características que condenam no outro.
Há muitas outras formas de projeção que podem estar presentes nas atitudes cotidianas do ser humano. Por exemplo: aquele que tem pouca capacidade intelectual e aprende devagar tende a detestar os sabichões, que aprendem tudo com incrível rapidez.
Os atrofiados emocionalmente, que sofrem de bloqueios emocionais, tendem a incomodar-se com pessoas muito efusivas, que deixam transparecer suas emoções. Aquele que não possui valores humanos detesta as pessoas excessivamente bondosas, sempre dispostas a ajudar os outros. O que reprime a individualidade e tem pouca auto-confiança, odeia as pessoas exibicionistas e vaidosas. Aquele que é possessivo e cauteloso detesta as pessoas perdulárias.
Quando compreendidos e aceitos como parte integrante de nossa psique, esses conteúdos podem ser transformados através do exercício consciente da nossa vontade.
Por mais difícil que nos pareça esta tarefa, ela é parte essencial daquilo que designamos de auto-transformação. A recusa em encarar o desafio nos manterá reféns de nossas emoções não resolvidas, e tornará impossível alcançar o equilíbrio interior e a segurança para enfrentar a vida que tanto desejamos.