Entre o ódio e o amor
por Wilson Francisco em EspiritualidadeAtualizado em 17/09/2002 15:11:27
Num programa de TV, intitulado Canal Mundo, foi feita uma resenha sobre os grandes criminosos da história.
Levantaram vários casos e dentre eles me interessou o de Bundy, um jovem que estuprou e assassinou 30 mulheres. No programa, a mãe dele disse ao apresentador: eu não eduquei o meu filho para ser um assassino. Ele sempre foi para mim um filho bom e inteligente.
Mike, o apresentador, faz algumas consideração sobre o caso. Informa ele que em um determinado momento a violência surge no individuo. Como será isso, pergunto eu. Surge de onde, através de que canais este processo. Surgirão do corpo ou da alma?
Rosane Neves, 26 anos, estuprada aqui em São Paulo, diz numa revista que: você sente um ódio que vem de um lugar que você nem sabia que existia. Nunca imaginei que poderia existir tanto ódio na vida.
Na Rosana, de um lugar desconhecido, surge o ódio por causa da ação criminosa de uma pessoa que realizou em seu corpo e alma uma ação horripilante, devassando e ultrapassando os limites do respeito e da sanidade. Violentada em sua estrutura mais íntima, vencida todas as barreiras de sua formação ela reagiu e odiou intensamente, surpreendendo a si própria.
O ódio, nela estaria represado em seu íntimo, aguardando uma motivação para espraiar-se alma afora?
Bundy também trazia de um sítio desconhecido, inacessível até um certo tempo de sua existência, guardado em lugar sombrio de sua alma, o ódio que o transformou agora num monstro. Que motivação teria ele para desaguar todo este mar de violência.
Naturalmente, ambos estão transitando em caminhos diferenciados, uma é a vítima e o outro o algoz, cada um penalizado em seu universo de direitos e deveres. A moça, com as marcas de um acontecimento que poderá permanecer em sua existência, talvez até dirigindo suas atitudes. O rapaz, encaminhado para a pena de morte, eliminado da sociedade e da vida, para gravitar em outra dimensão.
Estes pontos negros inacessíveis estavam desmobilizados na intimidade de cada um, aguardando o momento de emergir. Podem ser mágoas, ausências não administradas, dores profundas ou mesmo os instintos ainda indevidamente modelados e adestrados que jazem no arcabouço da alma, aguardando o toque de anjo que possuímos em latência e que nos oferece a oportunidade de transformar impulsos cegos e violentos em ações inteligentes e amoráveis.
Num outro momento da entrevista, Mike informa que Bundy tinha o dom de matar. Para mim, é difícil aceitar isso, esta palavra traz um universo de encanto e espiritualidade que nos remete a lembrança para seres estóicos, vitoriosos e do Bem. Um dom tem a ver com missão e ninguém aqui na Terra tem o dom de matar. Temos o dom, sim de amar, compartilhar e apoiar, isto sim.
Durante o julgamento e enquanto preso Bundy era sempre solícito, explicativo, informando com exuberância de detalhes como estuprava e matava, indicando os lugares onde os corpos ficaram com frieza e calma.
De inicio, ele próprio advogou sua causa, defendendo-se com inteligência e altivez. O juiz que o condenou à morte, numa atitude que foge à normalidade, falou com ele: Olha, menino, você poderia ter sido um bom advogado.
Bundy, um pouco antes da execução estava sereno e inexpressivo, levando para a outra dimensão existencial os mistérios de uma alma, que marcou sua vida com os sinais do ódio e da perversidade.
Cesare Lombroso e outros cientistas do passado atribuíam a etiologia do crime à deformações do cérebro. Hoje em dia há um dito popular que eu costumo ouvir, que é assim: fulano é sangue ruim. Na verdade, tudo isso hoje em dia inexiste. Sabe-se que não é o corpo nem o sangue que origina impulsos, todas as ações do ser humano vem da sua alma, de suas experiências, conhecimento e vivências. O corpo é apenas uma ferramenta. Quem dá qualidade, força e movimento ao ser são seus pensamentos e sentimentos.
E muito menos Adão é o culpado dessa insensatez que muitas vezes domina a criatura, tanto a vítima como o algoz. O pecado original está lá no paraíso mental de pessoas que acreditam em lendas. A realidade é que somos nós que esculpimos e modelamos nossa existencialidade.
A violência e o ódio são faces de uma só energia, cujas raízes estão no cerne de nossa alma.
Bundy, independente de sua infância ou vidas passadas, apesar dos desamores em sua vida, é um ser como todos nós, com a diferença que não conseguiu administrar impulsos, transferindo para suas mãos, coração e cérebro comandos de ódio e violência. Ele não conseguiu transformar sua energia em amor e paz.
Por outro lado, Rosana e tantas outras criaturas que foram violentadas, ao invés de vítimas indefesas, podem ser vistas como pessoas que também não souberam lidar com suas energias internas, permitindo ou viabilizado em seu universo através da fragilidade ou do medo, a ação de forças estranhas e se tornando alvo fácil da violência.
Por volta dos anos 70 estive no Sanatório Pirapitingui, que abrigava na época somente hansenianos (incorretamente denominados leprosos). Lá, viveu Jésus Gonçalves um poeta batalhador que marcou com sangue, dor e brilhantismo seu estágio naquele hospital e na vida. Construiu alojamento para cegos, uma emissora de rádio, um centro espírita e tantas outras obras. Seu primeiro momento, após se converter para o Espiritismo, foi realizar uma palestra evangélica no cassino, onde dezenas de pessoas se entregavam ao jogo e ao sexo, na época.
Pesquisadores informam e o próprio médium Chico Xavier confirmou que Jésus Gonçalves, numa de suas vidas passadas foi o terrível e grande líder bárbaro Atila, que invadiu Roma, modificando a história do mundo. Ele era muito inteligente e ágil, deixando-se levar no entanto pela volúpia, que o transformava num tirano, porque saqueava as cidades e trucidava homens, mulheres e crianças indefesas.
Pois bem, observemos o seguinte. Examinada a personalidade de Jésus Gonçalves e do líder bárbaro Atila, podem-se considerar várias semelhanças. A diferença é que neste século, lá nas proximidades de Itu e vestindo um corpo diferente e doente, este Espírito dirigia sua força, inteligência e audácia para o Bem.
Bundy, Rosana, Atila e Jésus Gonçalves são atores no grande palco da vida, cada um no seu tempo e com sua consciência realizando seus eventos existenciais. Em cada um deles o sopro divino alentando e dando o impulso para a ação, enquanto seus corações e cérebros manejam este sopro para o Bem ou para o Mal. É uma opção que podemos realizar, atraindo para nossos caminhos a tristeza ou alegria, o ódio ou o Amor.