Jenifer
por Saul Brandalise Jr. em EspiritualidadeAtualizado em 04/02/2002 11:44:19
O voo da Rio Sul SL 5226 partindo as 21:18 hrs de Congonhas/SP (SP) para Navegantes (SC) neste dia estava no horário. Meus compromissos tinham sido executados em tempo e com grandes perspectivas futuras. A última reunião foi na minha Editora, a Best Seller, com Janice e Henri. No final Henri me obsequiou com o livro SINAIS... Nos despedimos e deixamos uma certeza: O futuro que nos aguarde...
A sala de espera do portão 3, em Congonhas, estava congestionada. Vários voos programados tinham sofrido atrasos e a capacidade de assentos era inferior ao número de passageiros aguardando. A disputa em conseguir um local para uma espera decente era interessante de se assistir. Finalmente, após vários insucessos, consegui um local para sentar.
Não sei quanto tempo depois, pois estava entretido lendo o livro que havia ganho, uma senhora sentou-se ao meu lado. No seu colo, sobre um travesseiro, uma criança estava deitada. Retornei à leitura pois, a princípio, tudo estava normal.
Passado um tempo, a mãe começou a dar chá para a criança, usando uma mamadeira. Observei a cena dizendo:
- Desculpe senhora, mas acho que seria melhor oferecer chá para ele quando o avião estiver decolando. Se ele sugar não vai sentir dor de ouvido.
- O senhor acha? Não é ele é ela. Tem sete meses.
- Mas, como está de azul, pensei que fosse menino...
- Ela foi operada de um tumor. Sua segunda cirurgia, hidrocefalia foi a primeira.
Esta afirmação me chocou e só então comecei a olhar detidamente para a criança. Estava magra, muito magra. Os olhos fundos e já estrábica. Seus pequenos dedos ficavam, assim, alongados e apertavam com força o dedo indicador da mão esquerda da mãe. Tanto era forte este aperto que a mão, toda, ficava branca, perdendo parte da cor rosa natural. Parecia querer conversar, dizer alguma coisa. Comunicar algum desconforto. Expressar um sentimento mas, tudo se resumia num singelo e forte aperto de mãos.
Dona Nilsa, este era o nome da mãe, beijava aquela pequenina mão com uma doçura e um carinho que comovia qualquer pessoa que estivesse admirando a sua atitude. Retomei o diálogo perguntando:
- Tumor?
- Sim, tumor no cérebro... Afirmou mostrando as cicatrizes da cirurgia na cabeça de Jenifer. Não foi possível estirpa-lo. Ela tem poucos dias de vida... Me olhou como implorando ajuda. Seus olhos pediam socorro. Neles não existiam mais espaço para lágrimas...
- Como assim? Disse sem muito sentido pois, me surpreendi com aquilo que se descortinava em minha frente.
- A cirurgia sangrou demais e o tumor já estava grande. Nada mais pode ser feito...
- E uma quimio...
- Pedi ao Doutor, se fosse filha dele o que faria? Disse-me que só Deus... E ficou parada, pensando, quem sabe onde estaria Deus neste momento?
Olhei para ela, para Jenifer e... senti uma impotência que chegou a me adormecer a língua. Este é um sentimento terrível. Sabemos da desgraça eminente e nada podemos fazer.
- Qual a sua religião, Dona Nilsa
- Fui batizada na Católica.
- Algo me diz que a senhora é espírita.
- Sim sou.
Fez-se um prolongado silêncio. Dona Nilsa olhou para cima e suas palavras saíram como se estivesse orando:
FOI UM ANJO QUE ELE MANDOU PARA A GENTE CUIDAR, NÃO SEI POR QUANTO TEMPO...
Depois de conviver com esta força, com esta mãe, desejei-lhe tudo de bom. Sai dizendo que meu voo estava sendo chamado. Mentira, não queria que ela me visse chorar... Escapei dela mas fiz um fiasco no aeroporto.
E, as vezes eu reclamo dos meus problemas...
Até a próxima semana,
Um beijo na sua alma.