Jung: Superioridade Moral
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 03/06/2009 16:50:23
Voltei a ler o livro Psicologia e religião oriental, de Carl Jung, onde ele comenta o Livro Tibetano dos Mortos, entre outros escritos orientais. Mais uma vez seu pensamento se coaduna com o meu, e trata da questão abordada no post Conhecer e trilhar o caminho.
Nos comentários, Jung mostra a impressionante semelhança dos conceitos tibetanos com os conceitos analíticos (desenvolvidos pelo mesmo, sem conhecimento prévio do texto oriental). O que os tibetanos chamam de "espírito" é a psique, "espírito pessoal" é o inconsciente pessoal, enquanto que o "espírito único" é o inconsciente. Isto posto, fica mais fácil apreciar a sabedoria dos antigos, quando diz "Como o espírito único provém do vazio e não tem fundamentos, o espírito pessoal é vazio como o céu. (...) Todas as manifestações são, na realidade, nossas próprias representações, surgidas espontaneamente no espírito". Um belo conselho psicológico ao buscador.
Jung observa que, no Livro Tibetano dos Mortos, o Dharma (a Lei, a Verdade, a direção) não pode existir "senão no espírito". Atribui-se, assim, ao inconsciente todas aquelas virtudes que o Ocidente atribui a Deus. E mostra que o fenômeno da compensação espontânea, que escapa do controle humano, está plenamente de acordo com a expressão "graça" ou "vontade de Deus". Jung chega à conclusão de que isso nos mostra que a introspecção é a única fonte de informação e de direção espirituais.
Outra seção analisada é a que define o espírito como livre da mácula e do mal, e "não associado ao bem". Jung lembra das palavras de Nietzsche: "Seiscentos pés para além do bem e do mal". E desenvolve: "Mas as consequências de uma afirmação como esta em geral são ignoradas pelos adeptos da sabedoria oriental. Podemos admirar esta sublime indiferença moral, enquanto estamos instalados em nossas casas, certos dos favores dos deuses. Mas acaso podemos conciliar uma tal atitude com o nosso temperamento e a nossa história, que aqui não entram em linha de conta?
Acredito que não. Todos quantos se dedicam à ioga deverão dar provas de sua indiferença moral, não só na posição de quem pratica o mal, mas até mesmo, e em muito maior proporção, na posição de quem o sofre. Como bem sabem os psicólogos, o conflito moral não pode ser resolvido simplesmente com uma declaração de superioridade que toca as raias da desumanidade. Presenciamos, em (Ou seja, a época da ascensão nazista e consequente segunda guerra mundial.) nossos dias(*), os exemplos apavorantes do que seja a superioridade do super-homem em relação aos princípios morais. Mas duvido que a libertação oriental, tanto do vício como da virtude, esteja ligada a uma substituição, sob todos os aspectos, de forma que o iogue seja conduzido, para além deste mundo, a um estado de inofensividade tanto ativo, como passivo. Mas suspeito de que qualquer tentativa de desligamento por parte do europeu signifique unicamente a libertação das considerações morais.
Por isto, quem quer que se inicie na (Ioga aqui é tratado em seu aspecto mais amplo (e correto), como um modo de vida oriental, e não só o exercício dos movimentos.) ioga(*), deverá estar consciente das amplas e profundas consequências de sua atitude, senão sua aventura espiritual resultará em mero passatempo sem sentido".