Liberando-se da Inquietude
por Bel Cesar em EspiritualidadeAtualizado em 02/12/2002 13:39:15
Segundo o budismo Tibetano, a natureza da mente sutil do ser humano é potencialmente pura como a energia de puro cristal. No entanto, está contaminada por três grandes venenos da mente grosseira: a ignorância, a raiva e o apego. Estes três venenos mentais são resultantes de um grande veneno mental: a ignorância de pensarmos que as coisas existem por si só e são permanentes.
Nada existe por si só, tudo está interligado. Nada é permanente, tudo está em constante transformação. Podemos compreender estas verdades racionalmente, mas agimos instintivamente como se as coisas e as pessoas existissem em si e por si próprias, a partir delas mesmas. Nossa projeção da realidade está distorcida. Da mesma forma, sabemos que vamos morrer um dia, mas vivemos como se fôssemos imortais.
Podemos até perceber nossa ignorância, mas enquanto a base de nosso ambiente interno for o medo e a dúvida, continuaremos presos a nossos hábitos mentais distorcidos. Enquanto pensarmos que somos pessoas carentes e inadequadas, não seremos capazes de reconhecer nossa base interna positiva!
A mente pura como cristal está sempre presente; no entanto, depende de nosso ambiente interno para se manifestar. Isto é, necessita de constante abertura, confiança e coragem para olhar o que quer que surja em nossa vida com compaixão e entendimento.
O problema é que estamos tão habituados a nosso ambiente interno de tensão e expectativa que nem nos damos conta de que estamos sofrendo.
Nossa tendência ao apego é muito forte. Só o fato de pensarmos em nos desapegar de algo a que estamos apegados já nos deixa inquietos. Por isso, o ponto a ser discutido aqui não é o que devemos ou não devemos deixar de fazer, mas sim a forma como lidamos com nossa mente inquieta.
Na prática mais avançada do budismo, o apego é simplesmente energia. No entanto, o apego será negativo sempre que não permitir que nossa mente fique tranqüila. Ao sentirmos apego, ficamos logo inquietos. Não conseguimos relaxar, pois passamos a ser regidos pelos estímulos de nossos objetos de apego e não percebemos que somos nós mesmos que atribuímos a eles tantas qualidades positivas! Aí está o maior problema: pensar que nosso objeto de apego é a garantia de nossa felicidade faz com que percamos força e fiquemos vulneráveis.
E sabe por que tudo isso acontece? Porque queremos que alguém faça o esforço de conquistar a felicidade por nós. Buscamos alguém que pense e resolva por nós, que cuide de nós. Como resultado, passamos a projetar nos outros atributos e qualidades exageradas. Portanto, a qualidade de um objeto não existe nele mesmo, mas surge de nossa própria mente.
Com o passar do tempo, passamos a nos sentir dependentes dos outros e das situações. Não sabemos mais nos auto-sustentar, pois perdemos o prazer da responsabilidade pessoal, quer dizer, de conhecer nosso próprio potencial de autocura. Por esta razão, o veneno mental do apego nos enfraquece!
No caminho do autoconhecimento, não podemos nos acomodar, nem confundir estabilidade com estagnação e segurança com resistência à mudança. Temos de ficar atentos às desculpas que nos damos para não buscar nossa evolução.
As emoções positivas são sempre realistas e construtivas. Com elas, nos aquietamos e sentimos disponibilidade para nos abrirmos para os outros. As emoções contaminadas pelo apego nos deixam inquietos, pois nos impedem de apreciar o momento presente. Apreensivos em buscar formas de garantir a continuidade do prazer, perdemos a espontaneidade e tornamo-nos inquietos. O ponto de partida é aceitar que podemos transformar nossa mente inquieta numa mente de abertura e confiança: voltar “para casa”, como dizem os mestres budistas.