Medo da chuva
por Adília Belotti em EspiritualidadeAtualizado em 24/01/2007 15:22:00
Será que vai chegar o dia em que vamos sair em pânico ao menor sinal de chuva?
Adoro dias de chuva! Existe alguma coisa de epifania na água escorrendo do céu.
E não sei se por romantismo ou porque tenho certa necessidade de encantar a vida, acredito que a chuva traz o novo, assinala a mudança...
Chovia em muitos dos melhores momentos da minha vida, chovia quando meus filhos nasceram, chove sempre na véspera ou, senão, no dia do reveillon dos melhores anos (já reparou? Estou absolutamente convencida de que é para lavar o ano velho...), chovia hoje de manhã...
Mas para quem tomou banho de chuva ao acordar, teve o efeito de uma ducha de água fria ler a crônica de Marcelo Leite, Chuvas, deslizes e crateras, sobre os desastres trágicos dos últimos dias, a barragem rompida em Minas Gerais, a cratera aberta em São Paulo...
O padrão do clima do planeta mudou, me lembra o professor. Em meio século, a temperatura média do Brasil aumentou 0,7 °C. A previsão é que as chuvas de monção (essas que acontecem em certa época do ano e que a gente chama de chuvas de verão...), vão ficar cada vez mais violentas, desde 1950, aliás, isso já vem acontecendo... estava acontecendo ali, de manhãzinha, enquanto eu me divertia nas poças d´água...
“O clima e os brasileiros serão menos amigos, simplesmente”, diz o sociólogo.
E eu até podia imaginá-lo pensativo e triste, abanando a cabeça enquanto escrevia...
É verdade, está chegando o dia em que não vamos mais poder simplesmente apreciar os dias de chuva... que absurda loucura afinal!
Para nossos ancestrais, a chuva era uma interferência divina explícita, puro milagre que fecundava os campos a garantia a vida... para eles, a chuva era sêmen divino e as histórias e lendas que criaram falam todas deste instante mágico em que a semente divina chove sobre a terra...
É como chuva de ouro que Zeus, o deus grego dos trovões e dos raios, seduz e engravida a bela princesa mortal Dânae presa em sua torre enquanto, do outro lado do mundo, Tlaloc, o deus azteca das tempestades, envia sua chuva de fogo para deslumbrar os humanos com seu poder...
Os anjos desciam à Terra nas gotas de chuva, ensinavam os místicos do Islã; sim, diziam os sábios hindus, seres espirituais faziam o longo caminho da Lua à Terra dissolvidos na água do céu... além de fecundar a terra, a chuva nutria o espírito dos seres com a sabedoria divina!
Muitos milênios depois... o que houve conosco?
Engraçado pensar que o maior desafio humano sempre foi compreender o Universo. E todas essas histórias e mitos falam a seu modo dessa perplexidade e encantamento.
Ao contrário de nós, no entanto, nossos ancestrais mais primitivos “sabiam” que não havia nada “fora” da Natureza. Viviam imersos nas forças criativas e destrutivas que orquestravam o universo.
“Sabiam” que toda energia que os cercava, os seres com os quais compartilhavam o mundo, eles mesmos, seus corpos, seus filhos e suas obras, tudo era parte do “Grande Todo”...
O que houve conosco que insistimos em nos imaginar de um impossível “lado de fora” e transformamos a Natureza em nosso pior inimigo!
Que triste vai ser quando os humanos não puderem mais ser amigos das chuvas! Você não acha?
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