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O contato interdependente

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 28/10/2005 11:42:20


O contato interdependente é um fator mental que acompanha cada momento da consciência. Ele surge do encontro entre o objeto, a faculdade sensorial e a consciência. Sua função é perceber o objeto como agradável, desagradável ou neutro.

Lama Gangchen explica, em seu livro Autocura Tântrica III (Ed. Gaia): “O resultado da causa e condição do surgimento interdependente negativo do vento de energia impura de nossos seis sentidos é o contato surgido interdependentemente, que acontece quando os ventos de energia de nossos seis sentidos encontram e abraçam seu objeto no mundo externo, como um homem e uma mulher em união sexual. Isso resulta no nascimento das consciências dos seis sentidos, a consciência dos olhos, ouvidos, nariz, língua e a consciência mental grosseira, com a qual discriminamos os fenômenos bons, neutros ou ruins. Essa discriminação surge devido à programação positiva ou negativa ativada no computador interno de nosso coração e é completamente arbitrária e subjetiva. O contato surgido interdependentemente faz com que nosso apego e raiva egoístas se desenvolvam e cresçam: a autodestruição - o oposto da autocura”.

Ou seja, o sexto elo é o contato entre o órgão do sentido, o objeto do sentido e a consciência do sentido. Quando entram em contato os olhos e a forma, os ouvidos e o som, o nariz e o odor, a língua e o sabor, o corpo e toque, a mente e o objeto da mente, nasce a consciência do sentido. Até então, tudo isso parece óbvio e de fato é, mas a questão principal que em geral não nos damos conta é que o contato é uma base para os nossos sentimentos! Pois o contato é o fator mental que irá desencadear nossa avaliação sobre tal objeto como agradável, desagradável ou neutro.

Esta é uma questão de máxima importância, pois é esta avaliação prévia que irá sustentar - ou não - os nossos desejos. Pois uma vez que avaliamos uma sensação como agradável, desagradável ou neutra, iremos querer agarrá-la, rejeitá-la ou ignorá-la.

O contato com o objeto tem uma forte ação sobre nosso desejo. Algo semelhante como quem quer parar de fumar e não pode ver um cigarro por perto ou quem deseja esquecer uma paixão e por isso precisa retirar todas as fotos da “pessoa em questão” da sua frente.

Vale ressaltar que o objeto que causa a manifestação da mente iludida possui sempre uma relação kármica com a pessoa, caso contrário não atuaria sobre ela. Por isso o contato é interdependente: ele desperta o efeito de uma causa que já criamos em nosso contínuo mental. Assim como Lama Zopa explica em seu livro “A Energia da Sabedoria” (Ed. Pensamento): “Por exemplo, vocês podem ter uma marca específica de atração em sua mente. Isso será ativado por um objeto com qualidades desejáveis, não por um que apresente qualidades repulsivas, detestáveis. Assim, é preciso haver a combinação apropriada entre a marca na mente do sujeito e as qualidades características do objeto. Sem o contato com um objeto conveniente é impossível uma ilusão atuar”.

Stefan Klein, em seu livro “A Fórmula da Felicidade” (Ed. Sextante), esclarece que esta relação entre causa e efeito é denominada pela neurociência de alça de retroalimentação (feedback): “Faça um teste: o seu mau humor matinal melhorou porque você passou a extrair mais e mais prazer das cores do amanhecer ou você percebe as cores no céu de forma mais intensa exatamente porque está mais bem-humorado? As duas coisas estão certas. No cérebro - e, por isso, na nossa vivência - causa e efeito estão raramente separados. Assim como não há como responder o que vem primeiro, o ovo ou a galinha, a maior parte dos circuitos cerebrais está tão interligada que quase todos os eventos retornam a eles mesmos, isto é o que os especialistas chamam de alça de retroalimentação (feedback). Quando utilizamos esses mecanismos de forma correta, criamos um círculo eficaz que modifica progressivamente o cérebro, e assim aprendemos a ter sentimentos positivos”. Daí a importância de cultivarmos à nossa volta um ambiente de paz e não-violência. Conscientes do poder que o contato interdependente tem sobre nós, podemos selecionar as situações e objetos à nossa volta até que estejamos mais preparados para enfrentá-las.

Apesar de reconhecermos o poder do mundo externo sobre nós, não podemos nos esquecer da forte influência de nosso mundo interno sobre a visão que temos do externo! Lama Zopa ressalta, em seu livro “A Energia da Sabedoria” (Ed. Pensamento): “Uma das principais dificuldades reside em nossa tendência a pensar em nossos problemas como se fossem entidades externas, fatos de algum modo existentes fora e dissociados de nós mesmos. Por conseqüência, as soluções que elaboramos também são externas. Embora tais soluções possam aliviar um determinado problema de forma temporária, outro problema parece sempre surgir em seu lugar. Portanto, apesar de nossos esforços acarretarem uma alteração nos sintomas, parecem exercer pouco efeito sobre o problema subjacente em si”.

Para finalizar, gostaria de compartilhar com vocês um dos ensinamentos mais preciosos que recebi de meu mestre Lama Gangchen Rinpoche. Certa vez, com orgulho e coragem, disse a Ele: “Desta vez quero olhar para a negatividade de frente. Não vou negá-la”. Ele, então, me respondeu: “Olhar é bom, mas não a toque. É como quando você assiste ao noticiário na TV. Você vê a negatividade, mas não deixa que ela entre na sua casa. Você pode encarar a negatividade de frente, mas não deixe que ela entre na sua mente”.

Última atualização em 21/8/6


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Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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