O que o luto pode nos ensinar
por Bel Cesar em EspiritualidadeAtualizado em 04/08/2003 11:12:41
Aprendendo a conviver com a perda
Sensação de estar caindo no vácuo: um espaço vazio, desconhecido e silencioso.
São sentimentos que surgem quando recebemos a notícia do falecimento de uma pessoa importante em nossa vida. Nosso corpo sente-se como se tivesse também tido uma falência. Não entendemos ao certo o que estamos sentindo, ficamos atordoados, fora do tempo. Sabemos apenas que algo grave e denso ocorreu.
À medida que nos recuperamos deste choque inicial, enfrentamos a realidade da perda: o que e onde mudou. A ausência da pessoa que se foi evidencia como estávamos nos apoiando nela em certos aspectos de nossa vida. O luto torna-se, então, um período de conscientização da necessidade de recuperarmos nossa própria capacidade de auto-sustentação. Em algumas áreas de nossa vida, será a primeira vez que estaremos aprendendo a ser autônomos!
Sentimo-nos como um jogo de quebra-cabeças que foi desmontado e remexido. Ao tentarmos unir as peças que estavam separadas umas das outras é que nos damos conta que elas já estavam distantes entre si há muito tempo, muito antes do falecimento da pessoa que despertou o processo de querer juntá-las. A ausência daquele que se foi evidencia onde e como estávamos rompidos, distantes de nós mesmos. Logo, é hora de perceber nosso verdadeiro tamanho sem a presença e a dinâmica dessa pessoa que preenchia tantas lacunas em nosso processo de autoconhecimento.
O luto é um tempo de reconstrução de nossa auto-imagem. Na fragilidade da dor da perda, desvendamos camadas mais profundas de nosso interior; é lá encontramos feridas não curadas. Durante o luto, nossos usuais mecanismos de defesa frente à dor falham. Já que não é possível evitar a dor, temos de aprender a enfrentá-la. É hora de nos perguntarmos: “Do que nossa dor realmente se lamenta”? “Há quanto tempo essa dor pede para ser vista e tratada”?
Mesmo sem ter a resposta, nossa consciência nos pressiona a fazer algo para sair de onde estamos atolados. Alessandra Kennedy escreve em seu (E a vida continua – como superar a perda de um dos pais (Ed. Gente) ) livro(*): “O pesar revolve os mais profundos níveis da psique trazendo à tona questões não resolvidas, que silenciosamente sabotam a nossa vida. Os sonhos nos informam sobre a presença dessas questões e fornecem orientação de como resolvê-las. Quando ignorados, podem se repetir ou surgir de forma mais dramática, talvez transformando-se em pesadelos”.
Não fomos educados para lidar com a dor da perda. Instintivamente, aprendemos a conter nosso amor na tentativa de nos protegermos contra a dor dessa realidade: de que um dia iremos nos separar daqueles com quem convivemos tão de perto. Na economia do amor só há perdas. O luto nos ensina a despertar o amor por nós mesmos, e desta forma ampliamos nossa abertura com os outros. Caem as resistências, pois passamos a lidar com a vulnerabilidade da vida. O luto nos ensina que, pelo resto de nossas vidas, teremos que aprender a aceitar a inevitabilidade de nossa própria mortalidade.
Um novo olhar de auto-reconhecimento começa a surgir quando passamos a acolher, com afeto e tempo, a fragilidade diante da dor da perda. As questões inacabadas vêm à tona: tudo que ficou por ser dito, escutado, feito e compartilhado. Revemos todas as áreas de nossa vida: afetiva, financeira, profissional e espiritual. Surge a coragem, gerada pelo desejo sincero de mudar o que for preciso mudar.
Durante o processo de luto, nos damos conta, também, das falsas expectativas que tínhamos em relação àquele que faleceu. Se elas não se realizaram em vida, agora é a hora de aceitar nossa decepção, pois não há mais como remediá-las. Chegou o momento de agradecer por tudo que recebemos e de aceitar o que não pudemos receber. A partir daí, surge em nós um processo profundo de reavaliação de nossas expectativas atuais. É tempo de nos darmos uma nova chance, real e possível.
O luto é um processo que foge ao nosso controle e por isso pode durar muito mais tempo do que imaginamos que possa durar. Mesmo depois de nos recuperarmos, ainda iremos, inesperadamente, nos encontrar em situações que fazem com que sintamos que caímos outra vez no vácuo da perda. Cada vez que nos erguermos, retornaremos mais inteiros. Como escreve Robin Robertson em seu (Sua sombra (Ed. Pensamento)) livro(*): “Não há mudança que não principie na escuridão da alma humana. Primeiro, temos de descobrir uma entrada para a escuridão, a seguir, temos de acender uma velinha no escuro para que possamos procurar nosso eu futuro e, por fim, temos de nos unir a ele. E isso requer determinação, paciência e, mais que tudo coragem.”
Para finalizar, é bom lembrar que do mesmo modo que tivemos de aprender a nos permitirmos sentir a dor para superá-la, teremos que nos permitir sentir a alegria para celebrar o fato de estarmos vivos. Aqueles que se foram ensinam os que ficaram a viver melhor.