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Perdoar e ser perdoado

por Maria Guida em Espiritualidade
Atualizado em 28/07/2003 11:15:24


Anteontem à noite, eu estava me preparando para dormir quando me lembrei de uma grande amiga que não vejo há quase dois meses. Ela resolveu passar uns tempos com uma irmã em Petropolis, já que em São Paulo as coisas não estavam indo bem.

Sempre que penso nela com insistência é porque ela está querendo falar comigo.

Dito e feito. No dia seguinte, quando liguei, ela me disse que havia pensado muito em mim nos últimos dias, mas que estava em dúvida se deveria ou não falar comigo, pois o que precisava me dizer não era muito agradável.

Ela me contou que se lembrou de uma coisa que eu lhe havia dito logo que nos conhecemos. Ela me disse que eu havia dito que ela nunca iria conseguir o que queria.

Na hora, não me lembrei de ter dito nada disso a ela, principalmente por causa da qualidade do afeto que nos une.

Para mim, parecia quase impossível que eu tivesse dito a alguém a quem quero tanto bem, uma coisa tão negativa.

Apesar de não conseguir me lembrar, aceitei a palavra dela, e comentei que, se ela havia se lembrado daquilo, era porque a energia negativa liberada por mim ao dizer aquilo era muito intensa e ainda estava presente na aura dela. Pedi desculpas, e me prontifiquei a fazer a oração do perdão para que essa energia regressasse ao seu ponto de partida e deixasse de incomodá-la.

E foi exatamente o que fiz. Não uma vez apenas, mas várias. Até ter certeza de que estava tudo bem.

E então me lembrei do dia e o do momento em que lhe havia dito. A intenção não fora exatamente a de rogar uma praga. Mas, sem dúvida alguma, eu havia perdido uma ótima ocasião de ficar calada.

Lembrei também do tipo de pessoa que eu era quando disse aquilo. Estava desenvolvendo meus dons, mas ainda não sabia como direcioná-los. Não sabia da enorme responsabilidade que carregamos quando podemos, mesmo que por alguns segundos, ter acesso aos pensamentos e sentimentos de alguém. Não havia percebido ainda que a clarividência não pode e não deve ser utilizada como um adereço e muito menos como uma arma.
Era capaz de ver muitos aspectos do consciente e do inconsciente das pessoas, e ao invés de silenciar, ou aguardar que elas solicitassem ajuda, emitia julgamentos, e dizia frases soltas, como aquela, para impressionar ou intimidar.

Quando disse a ela que ela não iria conseguir o que queria, estava sendo absolutamente fiel ao meu dom, estava sendo sincera, mas apenas com relação a uma coisa que ela estava desejando naquele momento, e que, da maneira como ela estava querendo naquela ocasião, não iria mesmo acontecer. Mas, quem era eu para dizer aquilo a ela, e principalmente sem que ela tivesse me perguntado nada?

O que acontecia naquele momento é que eu não aprovava que ela desejasse o que desejava e muito menos os métodos que ela estava utilizando para conseguir o que queria. Mas, apesar de eu não aprovar e condenar, o que ela queria era legítimo e não havia nada de errado com a forma que ela havia escolhido para conseguir aquilo.

Eis aí um exemplo muito claro de como um dom pode ser algo perigoso. Tendo acesso aos pensamentos, sentimentos e desejos dela, emiti um julgamento, e não satisfeita em julgar, revelei o que via como possibilidade futura, não como uma opinião e nem como conselho, mas como uma sentença. E como a força da palavra falada é grande, a frase continuou vibrando, incomodando minha amiga, com o significado ampliado pelo medo e a insegurança dela.

Por incrível que pareça, minha amiga começou a achar que, por conta do que eu havia dito, não conseguiria realizar mais nada do que desejava.

Felizmente, nossa amizade nos permitiu falar abertamente sobre isso, e reverter a situação, não apenas com a franqueza e verdade com que nos relacionamos, mas também pela utilização da meditação, da invocação de nossos mestres que constantemente nos orientam e também pela utilização do maravilhoso instrumento que é a oração do perdão.

Agora imaginem quando um acontecimento como o que lhes contei ocorre entre pessoas que não são amigas, ou, pior que isso, entre seres que se enfrentam nas inúmeras situações competitivas do dia-a-dia profissional ou familiar?

Quantas vezes, mesmo que não façamos uso de nenhum dom, julgamos e condenamos pessoas, emitindo juízos em voz alta, determinando destinos negativos para aqueles que nos cercam, apenas porque não concordamos com os métodos que eles utilizam para alcançar aquilo que desejam, ou solucionar os seus problemas pessoais?

Cada vez que agimos assim, estamos colocando em movimento uma prodigiosa energia, que parte como uma seta em direção ao alvo e o atinge. Querendo ou não, somos divindades encarnadas, com poderes muito maiores do que imaginamos, e só não somos mais assertivos, porque não temos consciência do quanto somos poderosos, e não sabemos como e quando utilizar nossos dons.

Toda vez que nos propomos a ajudar, já estamos ajudando. Por outro lado, quando decidimos interferir, condenar, limitar, já estamos manifestando nosso desejo inconsciente.

Porque para a energia que mobilizamos com os nossos sentimentos e pensamentos, tempo e espaço não existem. Tudo o que decretamos é, aqui e agora, e para sempre, a menos que seja revogado e recolhido ao seu ponto de origem.

E como revogar algo que foi decretado? Como trazer de volta ao seu ponto de origem a energia negativa liberada num momento de desequilíbrio, de desarmonia, ou de inconsciência?

Só há um meio. E esse meio é o perdão. E perdoar não é apenas reconhecer no silêncio de nosso próprio coração que agimos mal, que fizemos mau uso de um dom, que esquecemos momentaneamente das grandes leis que regem o Universo.

Assim como as intenções se manifestam em sentimentos, pensamentos, palavras e ações, a revogação de uma intenção deve percorrer o mesmo caminho. O perdão é uma nova flecha, dessa vez benigna e curativa, que parte de nós na direção do outro. É como o antídoto do veneno que lançamos. É uma onda de energia curativa, apaziguante, transmutadora. O perdão transforma toda energia negativa em seu perfeito oposto.Quando sentimos a necessidade de perdoar e sermos perdoados, formalizamos essa necessidade em uma oração, dizemos essa oração em voz alta, e tomamos atitudes coerentes com a nossa intenção, nos tornamos um pouco mais divinos, porque alteramos o rumo dos acontecimentos vibrando sutilmente na energia do amor.

Quando perdoamos e pedimos para sermos perdoados, equilibramos as energias discordantes em nosso mundo e no mundo dos outros seres humanos, porque o que afeta a qualquer uma das manifestações divinas afeta a todas, e quando uma delas caminha na direção da perfeição, todo o universo evolui junto.

Alguém poderá dizer que isso é difícil porque nem sempre ocorre como que aconteceu entre eu e minha amiga. Infelizmente às vezes as partes envolvidas em situações de desarmonia se recusam a perdoar ou pedir perdão.

Tal como qualquer ato consciente praticado por um ser humano, perdoar e pedir perdão são atitudes pessoais e intransferíveis, dependendo apenas do empenho de cada um de nós.

O paradoxo é que, mesmo sendo um gesto tão individualizado, seu efeito benéfico se espalha como uma luminosa onda de paz, harmonizando todo o Universo. Porque, felizmente, para negativarmos nossa energia somos limitados, mas para transmutarmos o mal em bem, somos todos um.



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