Quando a dor alheia pode nos ensinar a viver melhor
por Bel Cesar em EspiritualidadeAtualizado em 17/02/2006 11:23:00
Este texto se dirige principalmente para aqueles que estão vivenciando o processo de estar ao lado de uma pessoa morrendo.
Estar perto daqueles que estão gravemente doentes nos deixa muito sensíveis. No entanto, é interessante perceber como podemos ainda assim ser vulneráveis e fortes ao mesmo tempo!
Por exemplo, quando nos sentimos frágeis devido à sensibilidade exaltada, não suportamos mais certas atividades cotidianas. Cada um torna-se menos tolerante em algum setor de sua vida. Pessoalmente, quando estou tomada pelo ambiente de um paciente que está falecendo, tenho menos tolerância para música alta, estar entre muitas pessoas ou até mesmo perder tempo com conversas fúteis.
Testemunhar a dor física e emocional do processo de morte catalisa o desejo de lapidar nossa mente. Afinal, o que é de fato importante, torna-se mais evidente. Neste sentido, a morte coloca a vida em perspectiva.
Quanto mais nos aproximamos da dor alheia, mais nos tornamos sensíveis à nossa própria dor. O estado silencioso e introspectivo daqueles que estão morrendo nos leva a escutar melhor nossa própria voz interior. Uma vez que estamos menos ativos fisicamente, nos tornamos mais receptivos às nossas próprias emoções.
Ao passo que mergulhamos num processo introspectivo, surge em nós uma nova sensação de coragem: um desejo autêntico de nos abrirmos para um mundo desconhecido, que provavelmente antes nos parecia distante ou ameaçador.
Assim como no processo da morte, à medida que a mente se desconecta do mundo externo, a consciência dos estados internos aumenta. Aliás, esta é a tarefa mais importante daqueles que estão falecendo: conectarem-se com eles próprios. Afinal, quando estamos morrendo não podemos mais contar nem mesmo com o apoio de nosso próprio corpo.
Enquanto estamos saudáveis e cheios de vida, ainda podemos explorar o mundo externo para conhecer o mundo interno, mas quando não podemos mais nos mover, temos que aprender a contar apenas com nosso mundo interno. Por isso, estar ao lado de uma pessoa nessas condições nos leva a valorizar nossas próprias condições físicas e mentais.
Os mestres budistas nos estimulam a compreender que o que estamos procurando fora de nós já está em nosso interior. Neste sentido, procurar a paz fora de nós só pode nos levar para mais longe dela. É como se nos desesperássemos para chegar a algum lugar, quando não há lugar nenhum para ir. A morte nos leva a parar para reconhecer que atingimos nosso ponto de chegada. Mas, quanto menos formos treinados a comemorar nossas conquistas, mais dificuldades teremos em aceitar que estamos quites com a vida, que cumprimos nossa missão.
Outras vezes, testemunhar a morte nos faz sentir tão cansados que não temos mais energia nem para refletir, sentir ou sequer rezar. Como um mecanismo de proteção à dor intensa, nos tornamos insensíveis e apáticos. A vida torna-se mecânica: agimos sem emoção, como robôs programados. Nesse ponto devemos nos cuidar, pois um mecanismo de defesa não pode tornar-se crônico.
Temos, então, que descansar: afastar-nos por um período da situação que está nos estressando até recuperar a disponibilidade de permanecer ao lado da pessoa doente novamente. Um distanciamento saudável é necessário para mantermos um relacionamento positivo com quem está falecendo. Muitas vezes, só quando nos distanciamos por um período é que recuperamos a abertura e disponibilidade interna para encararmos a dor alheia. Aliás, quando estamos sobrecarregados emocionalmente, tornamo-nos uma carga pesada justamente para aqueles que queremos ajudar.
Nesses momentos, precisamos nos lembrar que não há ninguém completamente pronto para dar todos os cuidados necessários àquele que está falecendo. Quando decidimos recuperar nossa energia é um sinal de que estamos dispostos a mudar. Agindo assim, nos desapegamos de algo que nos impedia de seguir em frente e despertamos esperança e bem-estar, tanto em nós mesmos quanto naqueles que estão perto de nós.