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Quando nos distanciamos de nós mesmos

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 19/09/2008 00:46:29


O mundo está barulhento demais. Na cidade, há sempre um novo prédio em construção, uma rua sendo consertada, o som alto de um carro sem escapamento ou o arranque de uma moto. Nas lojas, a música “bate-estaca” se assemelha a das festas Rave que agridem o sono de quem quer dormir no campo durante o final de semana. A regra parece ser agüentar e esperar passar. E assim vamos nos acostumando aos sons desagradáveis com a mesma naturalidade com que respiramos o ar seco e poluído da cidade. “Agüenta mais um pouco, isso já vai passar”, dizemos a nós mesmos a todo instante...

Quando não queremos mais ver, fechamos os olhos. Mas, o que podemos fazer quando não queremos mais ouvir? Buscar algo agradável para nos concentrar? Há quem saiba se “desligar” do que não quer ouvir, mas isso não garante que seu sistema nervoso esteja sendo poupado de uma sobrecarga de estímulos.

É verdade que podemos atribuir ao mundo nossas qualidades internas se o olharmos com “bons olhos”, assim como podemos receber do mundo boas mensagens se tivermos “uma boa escuta”. Neste sentido, poderíamos dizer que, por meio dos olhos, exteriorizamos nosso mundo interior, e com os ouvidos recebemos os atributos do mundo exterior. Mas, o que realmente importa é que esta troca constante, entre estímulos e atribuições, seja saudável, nutritiva, fluida. Coisa que, convenhamos, está cada vez mais difícil de ocorrer... Afinal, como isso seria possível se o ruído ambiental da cidade moderna vem aumentando cerca de meio decibel por ano?

A ciência médica já definiu que ouvir continuamente sons acima de 85 decibéis causa danos à audição. O som das motos e dos carros atinge em geral 80 decibéis. Já um caminhão de lixo, 142...

Na tentativa de suportar a pressão externa nos encolhemos, assim como fazemos instintivamente quando queremos nos proteger ao sermos agredidos. Conseqüentemente, nos retraímos interiormente: buscamos economizar todo e qualquer esforço extra que aumente nosso estresse. Desta forma, sem que percebamos, nós nos fechamos, tanto para fora como por dentro.

Impedidos de relaxar e de nos expressarmos livremente, perdemos um senso de unidade interior e gradualmente nos distanciamos de nossos próprios sentimentos. À medida que nos acostumamos a nos distanciar de nós mesmos, passamos igualmente a nos afastar de nossas emoções positivas, como sentirmo-nos inspirados, criativos, entusiasmados para descobrir e envolvermo-nos com o mundo à nossa volta. Conforme nossa energia se congela, passamos a atuar como robôs, mecanicamente. Podemos nos manter eficientes produtivamente, mas a um custo energético muito alto. Ficamos deprimidos, ou simplesmente sem graça.

Cantar a tristeza, dançar a alegria, pintar as angústias, sempre foi para o ser humano um modo de recuperar o sentimento de inteireza e de pertencimento, tão necessários para a saúde psicofísica e espiritual. É um prazer assistir àqueles que conseguem expressar criativamente seus sentimentos. Mas ainda que não tenhamos o dom da arte, podemos buscar o silêncio para nos conectarmos interiormente. No entanto, por que será que cada vez mais o silêncio é difícil de ser encontrado?

Murray Shafer, em seu livro A afinação do mundo (Ed. Unesp) nos dá uma dica: “O homem gosta de produzir sons para se lembrar de que não está só. Desse ponto de vista, o silêncio total é a rejeição da personalidade humana. O homem teme a ausência de som do mesmo modo que teme a ausência de vida”. Mas, quanta vitalidade recuperamos quando encontramos silêncio suficiente para voltar a nos escutar!

Assim como Murray Shafer conclui em seu livro: “Se temos esperança de melhorar o projeto acústico mundial, isso só ocorrerá após a redescoberta do silêncio como um estado positivo em nossa vida. Silenciar o barulho da mente: tal é a primeira tarefa - depois, tudo o mais virá a seu tempo”.


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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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