Quem não conhece a desagradável sensação de estar irritado?
por Bel Cesar em EspiritualidadeAtualizado em 21/04/2003 11:11:49
Muitas vezes nós nem nos damos conta do momento em que começamos a nos irritar. Nossos músculos tornam-se tensos, sentimo-nos abafados em nosso próprio corpo. Surge em nós a necessidade de nos movermos para extravasar “algo” contido, não expresso.
A irritação é energia mal parada, mal elaborada, mal direcionada. Nos tornamos impacientes, intolerantes à frustração, aos ruídos e às aglomerações. Nossa mente fica espremida, sem espaço, abafada. Sentimos calor e palpitações no coração. Qualquer estímulo surge como uma provocação: queremos distância, espaço e tempo!
Quando estamos sob o domínio da irritação, temos dificuldade em aceitar opiniões diferentes da nossa, o que aumenta nossos problemas de relacionamento. Por exemplo, escutamos alguém nos dizer algo e, antes que tenhamos compreendido o seu verdadeiro sentido, reagimos de maneira explosiva, respondendo com insultos ou até violentamente.
A irritabilidade é um conjunto de emoções associadas por semelhanças. Costumamos dizer: “Fulano ou aquela coisa me irritam porque me lembram sicrano, quando...”.
Emoções impostas ou reprimidas na infância fazem parte do “bolão” de nossa irritação. Quando crianças, muitas vezes o que dizíamos não era ouvido ou nem mesmo considerado. Agora, quando nos expressamos e alguém nos trata com displicência e falta de atenção, sentimos novamente a sensação de estarmos falando sozinhos, o que nos faz sentir muito irritados!
A irritação é, portanto, um subproduto de uma forma-pensamento que por sua vez sustenta um sentimento de carência de amor. Quando irritados, nós nos sentimos mal amados e sem capacidade de dar amor. Quando irritados, não gostamos de ser acariciados e nem temos disposição para abraçar quem gostamos.
Quando a mente está acelerada e a irritação se instala, ficamos reativos, arredios. No entanto, precisamos desacelerar a mente para compreender o que se passa em nosso interior. A irritação passará à medida que compreendermos sua mensagem subliminar.
Se escutarmos com honestidade nossos próprios lamentos, poderemos observar que o pano de fundo da irritação é a sensação de estarmos sendo pressionados a aceitar algo que nos foi imposto, sem aviso prévio ou sem que estivéssemos de acordo. Há um sentimento de termos sido invadidos com idéias abusivas: “Não tenho que escutar isso” ou “Quem ele pensa que é para fazer isso comigo?!”. Perdemos a sintonia com nós mesmos quando focamos a razão de nossa situação sob o domínio de forças alheias. Por isso, assim que começarem a aparecer os sinais de irritação, em vez de perguntar a si mesmo “O que torna esta situação tão irritante para mim?”, pergunte-se: “O que torna esta situação tão importante ao ponto de me perturbar assim?” ou “O que pode ocorrer comigo se eu continuar assim?”.
Não podemos controlar as situações exteriores, mas podemos controlar como nossa mente irá reagir a elas. Em geral, a irritação passa quando conseguimos nos posicionar frente a nós mesmos. Isto é, quando recuperamos as rédeas de nossa mente.
Os pensamentos que sustentam nossa irritação terão menos poder sobre nós, se não os sobrecarregarmos de idéias apenas racionais. Isto é, não devemos levar tão a sério nossa irritação. Mesmo que tenhamos toda razão do mundo para estarmos indignados, a irritação nos sinaliza que nos afastamos de nossa essência. Ao considerarmos nosso bem-estar interior mais importante do que o peso da pressão externa, algo mágico ocorre: conseguimos rir de nós mesmos. Isso acontece porque nos conectamos com a realidade de nosso próprio paradoxo.
Outro dia, eu estava muito irritada. Quando me dei conta que estava levando a sério algo que eu considerava absurdo, comecei a rir. Pensei: “Isso é tão absurdo que não é digno de ser considerado”. Querendo compreender como poderia me adaptar àquela situação, estava cada vez mais presa à ela! Foi quando compreendi que o segredo estava em sair desta situação... Encontrei uma solução totalmente nova, na qual pude me desconectar da situação que me irritava.
A indignação nos prende à irritação. Muitas vezes a gente não se livra de quem nos irrita exatamente porque estamos presos ao pensamento auto-imposto de que não temos saída frente àquela situação!
“É a nossa própria consciência constrangendo-nos desnecessariamente. O que quer que façamos está sendo constantemente vigiado e censurado” - escreve Chögyam Trungpa Rimpoche em seu livro “Além do materialismo espiritual” (Ed.Cultrix), sobre a falta de humor como uma visão da ironia básica da justaposição de extremos, de modo que não somos surpreendidos levando-nos a sério, nem seriamente fazemos seu jogo de esperança e medo. “O senso de humor significa ver os dois pólos de uma situação como eles são, de um ponto de vista espacial. Há coisas boas e más e as vemos com uma visão panorâmica, como se as víssemos de cima”. “O senso de humor parece provir de uma alegria que tudo penetra, de uma alegria que tem espaço para expandir-se numa situação completamente aberta porque não está empenhada na batalha entre "isto" e "aquilo". A alegria se desenvolve na situação panorâmica de ver ou sentir todo o terreno, o terreno aberto. Essa situação aberta não tem sinal de limitação ou de solenidade forçada”.
Hugh Prather em seu livro “Não leve a vida tão a sério” (Ed. Sextante), sugere: “Antes de dormir, anote as seguintes palavras e coloque-as num lugar em que possa vê-las quando acordar: nada dará certo hoje. Por isso, relaxarei e me divertirei. Pode parecer um objetivo um tanto estranho, mas ele põe em prática o que acabamos de discutir – ou seja: o essencial para a liberdade mental é ver o mundo exatamente como ele é e delicadamente recusar qualquer apelo interior ou exterior para mudar nossa natureza básica”.