Receita de homem
por Adília Belotti em EspiritualidadeAtualizado em 13/05/2005 12:48:46
Bom, bom, depois da aventura na relação entre noras e sogras, resolvi me debruçar sobre uma receita do homem perfeito para a tal nora ideal (nem vou tentar disfarçar minha vocação para missões impossíveis). Então aí vai de novo a receita deste ser. Mas espero as contribuições de vocês tá? Podem mandar para meu e-mail.
Um grupo de mulheres, uma garrafa de vinho, pão feito em casa, queijo light, damascos e tâmaras em preciosas tigelinhas de avó. Sentadas em volta da mesa baixa, o assunto era um só: homens. Ainda que para aquelas mulheres o grande desafio, o maior e mais fascinante encontro, fosse mesmo com o feminino e seus mistérios, os homens pontuavam a conversa, feito aquelas marcas de quilometragem nas estradas, intervenções de pura fantasia no desenrolar monótono e espontâneo do caminho.
Os homens. Como seria este homem ideal? Você já parou para pensar? Metrossexuais, será que é por aí? De qualquer forma, um homem feito sob medida para agradar às mulheres. Ah, sim, e que, depois de testado e aprovado, recebesse um selo de autenticidade e pudesse ser clonado infinitas vezes, sempre igual, sempre renovado.
Um homem que atravessasse séculos e montanhas despertando mulheres de todas as cores, formatos e jeitos para seus próprios sonhos. Ufa! Veja se você concorda com a receita:
Um homem assim não está, jamais
Ele tem que chegar, feito surpresa, feito pacote de correio, provocando um ligeiro arrepio de expectativa na espinha. E tem que vir assim como na música de Chico Buarque: “tão diferente do seu jeito de sempre chegar”...
(E será doce e forte o homem que eu amo) “And he will be sweet and strong, the man I love”(*)
É, ele há de ser doce e forte, o homem que eu amo. E vai caminhar no compasso de uma canção. Pode ser algo de Gershwin, é evidente, mas tenho a impressão de que ele precisa combinar com os ritmos hipnóticos dos nossos tambores, bumbos, surdos, cuícas, pandeiros. Então é bom que ele se permita oscilar entre acordes molengos e minimalistas de jazz e batidas vigorosas de axé, por exemplo. Um homem forte o bastante para nos guardar na palma da mão e doce o suficiente para reverenciar os abismos da nossa feminilidade...
E por falar em dança, nós vamos dançar, sim.
Em volta do fogo ou sob a luz do luar, como se deve. E todas as músicas vão acompanhar o nosso ritmo. Porque um homem assim sabe que a dança é o movimento natural da própria vida. E com certeza conhece a citação do físico Fritjof Capra: “Se olhássemos o universo com os olhos de Deus veríamos apenas partículas de energia dançando os ritmos da vida”.
Ele nos tomaria pela mão, quando tivéssemos que cruzar as esquinas sombrias e nos ajudaria a escalar as mais altas montanhas. Viria dele nossa força pra vencer o medo do desconhecido e dar o salto no abismo. Com ele, toparíamos oscilar no espaço em qualquer bungee-jumping e conheceríamos o prazer inexprimível de voar... sem asas!
O homem ideal seria capaz de rir de si mesmo e de suas convicções sem sentir-se ameaçado. E quando estivéssemos caminhando de mãos dadas pelo mundo, ele saberia reconhecer a indisciplinada multiplicidade da paisagem. Em vez de teorias, ele aceitaria ouvir minhas histórias de fadas, de heróis, de tempos antigos e mágicos...
Sem precisar dizer nada, ele emendaria os buracos escuros dentro do nosso ser feminino e nos devolveria inteiras, mais corajosas, mais confiantes, dispostas a abrir as portas da nossa alma e deixar o fresco ar do mundo entrar.
Porque com ele, amar jamais seria algo pequeno, excludente, obsessivo.Viajaríamos por todos os rostos do amor. E seríamos seres mutantes, buscadores deste sentimento ampliado que nos faz rir e girar na ciranda do Universo. Amor de dar, feito de compaixão e de tolerância...
Nosso homem estaria conosco quando decidíssemos fazer uma faxina na nossa fala e varrer sem piedade para fora de casa palavras inúteis como traição, posse, ciúme, perdão, culpa.
Metrossexual como está na moda, é claro! Mas não porque esteja sempre lambuzado de cremes e seja um refém da ansiedade de consumo. Quem quer um homem que incorpore nossos estereótipos femininos? Não, por favor, ele seria metrossexual na alma! Pronto para a aventura da parceria e da troca. Capaz de extrair o melhor de si mesmo em qualquer circunstância. Ser homem-mulher, sem medo de explorar os limites tanto do masculino quanto do feminino.
Chega de receita, não é? Todo mundo já percebeu que tal homem não cabe em nenhum homem. Mas, engraçado, os estudiosos da psique humana garantem que ele cabe em nós, é uma parte da alma feminina. Jung chamava “animus”, este aspecto masculino que mora em todas as mulheres. E, ele pode ser destrutivo ao ponto de nós tornar cegas, paralisadas, presas nas estreitezas das “coisas como deveriam ser” e no “amor demais”, cruel e possessivo.
Mas é só através dele que podemos fazer desabrochar em nós a audácia e a criatividade. O caminho que uma mulher precisa percorrer para encontrar este “amante divino” é doloroso e longo. Exige autoconhecimento, humildade, abertura para o novo.
No entanto, é uma trajetória tão fundamental que existem inúmeros mitos que contam esta história, justamente para que a gente se aproprie das imagens e possa se transformar. E se a coluna já não estivesse grande demais, eu até contava em detalhes para você minha história favorita: o Mito de Psique, a belíssima jovem que acende o coração do deus do Amor, o Eros - das flechas - em pessoa. E ele casa com ela com a condição de que ela jamais poderia ver o seu rosto. Psique vive feliz por algum tempo nesta confiança cega, mas um dia, decide desobedecer o marido divino e ilumina seu rosto adormecido. Ferido e magoado, ele vai embora e aí começa o caminho de Psique para reencontrar seu amante. Não mais como menina cega, mas como mulher, corajosa e determinada. Não deixe de ler esta história: é linda. E é a nossa história...