Reencarnação - Parte 2
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 06/09/2007 14:09:27
Continuando nosso estudo sobre reencarnação que iniciamos no outro texto, vemos que nossa abordagem psicológica/metafísica da reencarnação hoje é como aquela fábula do elefante e dos três cegos: todos estão certos e ao mesmo tempo todos estão errados. Ken Wilber nos fala que cada escola ou teoria psicológica seria mais adequada à explicação de uma série de comportamentos específicos dentro de um "espectro" de comportamentos possíveis ao desenvolvimento humano. Assim, teríamos desde um quadro mais mecanicista, dado, por exemplo, pelo behaviorismo radical, até os mais avançados, como a da Psicologia Transpessoal. Cada escola estando, dentro do seu enquadramento teórico, relativamente certa, nestas condições.
O pensamento transpessoal de Ken Wilber bebe na tradição da Teosofia (e, conseqüentemente, dos Rosacruzes) que, por sua vez, se inspira no modelo budista Tibetano, encontrado no Livro Tibetano dos Mortos, que rompe com o que comumente conhecemos como reencarnação da personalidade. Baseado nisso, Frank Visser propõe que o Ego espiritual (ou seja, o que achamos ser o espírito de João pedreiro, que já foi Napoleão em outra vida e jogou pedra na cruz de Jesus em Jerusalém) está desassociado da personalidade terrena (ou seja, esse espírito não foi nada disso, sendo apenas uma gota num oceano que já comportou gotas que animaram Napoleão, João pedreiro e o miserável que jogou pedra na cruz). Após a morte do corpo físico, o Ego espiritual vai embora pro seu mar e aquela personalidade ainda permanece um tempo no mundo astral e mental, se desvanecendo gradualmente (como uma pilha perdendo a carga) até sumir. Puf! Ali, no oceano, o Ego "descansa" (por horas ou anos) até que sinta a necessidade (que ele descreve como uma " (Se nos alimentamos bem em nossa jornada, não sentimos fome por um bom tempo. Mas, se não comemos bem, em breve sentiremos a necessidade de alimento espiritual, e daí retornamos.) fome(*)") de receber estímulos dos planos mais grosseiros, de sentir-se "vivo".
Nós não somos mandados de volta à Terra contra a nossa vontade, e sim por necessidade. Somente se formos espiritualmente cônscios (ou seja, se já alimentamos nossas baterias no plano espiritual com plena consciência) não precisaremos retornar. Algumas boas almas retornam puramente pela vontade de libertar outras almas desse ciclo inconsciente (alguém falou Jesus?).
O que eu achei esquisito na teoria é que, se o ego espiritual encarna uma personalidade, o que é feito das memórias e experiências dessa personalidade? São retidas? Se sim, então é o mesmo que dizer que a personalidade está retida no ego.
Se for compartilhada com os outros egos, então como o ego pode sentir necessidade de "descer" pra "se alimentar" se ele compartilha da experiência de vida dos outros egos que estão "subindo"?
Aliás, esta última alternativa é a idéia que Carl Gustav Jung fazia da existência consciente depois da morte: uma consciência da humanidade. Quando alguém morre, "transmite" sua experiência para a consciência coletiva (que nunca excede o limite do que o homem encarnado pode alcançar, ou seja, nunca "aprende" nada do "lado de lá"), e é por isso mesmo que a vida aqui na Terra teria tanta importância, pois só aqui, na vida terrena, onde os extremos se tocam, poderíamos elevar a consciência geral.
Uma imagem interessante do Ego espiritual de Wilber é a do mergulhador que vai buscar uma pérola em grandes profundidades. O espírito busca a pérola da experiência/vivência na Terra, mas não pode permanecer muito tempo ali. De quando em quando, precisa retornar ao seu mundo original, para "respirar".
É um conceito similar em parte a concepção órfica da imortalidade: a alma está enterrada no corpo como se fosse um túmulo (soma-sema, que significa em grego corpo-túmulo). Como conseqüência, a existência encarnada se assemelha mais a uma morte e o falecimento constitui o começo da verdadeira vida. Esta verdadeira "vida" não é obtida automaticamente; a alma será julgada segundo as suas faltas e os seus méritos. Após certo período, ela reencarna. A influência egípcia – julgamento de Osíris e reencarnação – é insofismável no orfismo. Nessa via crucis de reencarnação em reencarnação, até mesmo em corpo de animais, a alma vai se purificando. Nesses intervalos reencarnacionistas, a alma chega a demorar uns 1.000 anos no castigo do inferno, onde sofre um ciclo de pesadas penas. Quando completamente purificada, sai desse ciclo de gerações para reinar entre os heróis. O destino, obviamente, não será o mesmo para os iniciados órficos e os profanos. O comum mortal profano deverá percorrer dez vezes o ciclo antes de escapar.
Há um conceito difundido na Igreja Messiânica (e também na Igreja budista Risho Kossei-kai) de que somos a soma de milhares de antepassados. É a Doutrina Anatta (do "não-eu"), onde o que permanece após a morte não é a alma individual, mas sim o karma (ação) que se fez em vida. Segundo o ensinamento de Buda, a existência, a continuidade da vida e sua cessação são explicadas em uma fórmula detalhada - chamada de Patika Samuppada (produção condicionada), constituída de doze fatores:
1. Pela ignorância são condicionadas as ações volitivas ou formações kármicas.
2. Pelas formações kármicas é condicionada a consciência.
3. Pela consciência são condicionados os fenômenos mentais e físicos.
4. Pelos fenômenos mentais e físicos são condicionadas as seis faculdades (quer dizer, os cinco órgãos dos sentidos e a mente)
5. Pelas seis faculdades é condicionado o contato. (sensorial e mental)
6. Pelo contato é condicionada a sensação.
7. Pela sensação é condicionado o desejo.
8. Pelo desejo é condicionada a posse.
9. Pela posse é condicionado o processo do vir-a-ser.
10. Pelo processo do vir-a-ser é condicionado o nascimento.
11. Pelo nascimento são condicionados:
12. A decrepitude, a morte, as lamentações, as penas, etc.Notem que é pela ignorância que todo o processo começou, gerando uma ação que causou uma consciência. Há semelhanças aqui com o Velho Testamento (Gênesis) e a ignorância de Adão e Eva de se deixarem enganar pela serpente (uma leitura atenta mostra que no fundo eles desejavam ter o mesmo conhecimento/discernimento de Deus). Após isso, temos uma ação (a mordida do fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal) e, finalmente, o lampejo de consciência (eu ≠ você) que os fez perceber que estavam "nus". Fábula semelhante está representada pela queda de Lúcifer: A "queda" em si é tão justificada pela consciência recém adquirida que não a percebemos como um ganho.
Quem cai pelo coração o sofrimento é tanto que redime. Quem cai pela inteligência - vejamos o exemplo da entidade demoníaca do texto bíblico, que não é tão simbólico quanto parece - não se sente caído...
(Emmanuel)
É assim que a vida aparece, existe e continua, em forma circular (a tal roda de Samsara). Entretanto, se tomarmos esta fórmula em sentido contrário, chegamos a cessação do processo, um (Religião, do latim religione, é uma palavra derivada do verbo religare (ação de ligar novamente).) religamento(*) ao Todo.
O que Buda nega é a idéia da existência de uma alma imortal individualizada. Afinal, se a alma foi "criada" em algum ponto, ela estará sujeita a cessar. E o budismo é enfático em dizer que tudo é impermanente. Então sua individualidade também é uma ilusão que precisa ser superada para evitar o sofrimento, assim como sua idéia de "meu corpo", "minha família", etc.
Talvez estejamos apegados demais à nossa personalidade para analisarmos a reencarnação não só como flores individuais desabrochando e morrendo, e sim como um jardim, onde cuidamos das flores individual e coletivamente, buscando um efeito que só pode ser apreciado à distância.
O Prof. Alberto Cabral, do CEFLE, costuma dizer que aqui na Terra há "reencarnações por (O conceito é legal, mas o uso do termo junguiano, não. Encarnação arquetípica seria um erro, já que todos nós, querendo ou não, temos a presença de todos arquétipos da humanidade em nós. Quais mitos pessoais vamos viver, e como formaremos nossos complexos a partir dele, é uma outra história...) arquétipos(*)". Na visão dele, diferente do que o Espiritismo prega, as pessoas não vêm reencarnar com seus parentes e situações de outrora, pois seria impossível em termos práticos. Os espíritos apenas vestem encarnações similares, situações parecidas onde der pra encaixar, as quais somadas fecham o cenário para que a pessoa encontre - ou supere - os complexos que precisaria, karmicamente, encontrar.
Exemplo: Você tem a impressão que tava encarnado na vida passada com um amigo desta. Mas na verdade teu amigo da vida passada "evoluiu" mais rápido que você, que continua, por exemplo, brigão. Então teu amigo atual é outro espírito brigão apenas parecido com o que o teu primeiro amigo era na vida passada. A fila andou. Não faria sentido teu primeiro amigo continuar do teu lado vivendo as mesmas coisas se ele já aprendeu o que você ainda não conseguiu. A gente reencarnaria por sintonia - lugares e pessoas necessárias ou compatíveis pra vivência dos karmas, algo assim. Tal conceito guarda grande semelhança com o Anatta budista.
Já Krishnamurti nos fala que a gente morre e não sobra nada individual, existindo tão-somente um tipo de "padrão coletivo de emoções", um campo que seria "personalizado" a cada nascimento. Acho que, para ele, só sai dessa roda de Samsara quem desperta, sai do rio da vida, saindo do padrão ego/pensamento/emoção; só que daí também não sobraria nada individual, porque esse "desperto" aí se fundiria no grande e incompreensível Todo que existe além do rio.
Para a Gnose, a alma individualizada tem ao seu dispor 108 vidas para alcançar a auto-realização. Caso não consiga, deverá involuir no reino mineral até que passem pela "Segunda Morte". Após isso, a Essência, a Alma, ou princípio imortal, escapa e volta para a superfície, para a luz do sol, a fim de recomeçar a jornada, a fim de iniciar uma nova evolução, desde o estado mineral, passando pelo vegetal, animal, e chegando, novamente, no estado humano ou humanóide que outrora perdeu. Aí novamente serão consignadas mais 108 vidas. Se nos auto-realizamos no novo ciclo, ótimo; se falhamos, repetiremos todo o processo.
Para os Rosacruzes, cada ser humano renasce no plano terreno a cada 144 anos, em média. Se, por exemplo, uma pessoa vive 80 anos neste plano terrestre e morre, a alma e a personalidade da referida pessoa permanecem no plano cósmico psíquico cerca de 64 anos antes de se reencarnar, a fim de completar o ciclo de 144 anos. Seguindo o mesmo raciocínio, a criança que desencarna aos quatro anos de idade teria de permanecer 140 anos aguardando a reencarnação.
No Bhagavad-gita, a mais famosa escritura do hinduísmo e a base principal o movimento Hare Krishna, lê-se: "Assim como a alma corporificada continuamente passa nesse corpo da infância à juventude e à velhice, do mesmo modo, a alma passa a outro corpo após a morte. A alma auto-realizada não se confunde com tal mudança". Os Vedas também explicam que, no mundo material, a alma transmigra dentro de um ciclo de nascimentos e mortes materiais através de 8.400.000 formas de vida. A forma de vida humana, entretanto, é a única em que a pessoa pode se auto-realizar. As espécies de vida inferiores às humanas não são dotadas de inteligência suficiente para compreender a diferença entre o eu e o corpo.
Para a ciência, existe ainda a possibilidade de ‘multiversos’. Então, como fica a individualidade em cada universo paralelo? O resultado dessa salada toda parece apontar pra o aperfeiçoamento de uma individualidade duramente conquistada, reformada e aprimorada pra voltar outra vez pro Todo de onde só aparentemente "saiu". Por que tudo isso começou? Será que é o Criador/Todo querendo se reconhecer ( (Que, na tradição do Calendário Maia, é uma saudação que significa `Eu sou outro você´) In Lake' ch(*))? O Deus em mim saudando o Deus em você (Namastê)? Será que esse processo todo foi um engano? Ou será que gera algum tipo de energia que mantém nosso universo?
Referência: Considerações sobre a Idéia da Reencarnação Ontem e Hoje: Uma Abordagem Científica, Histórica e Psicológica; O mito de orfeu