Vida e Fé
por Maria Guida em EspiritualidadeAtualizado em 07/07/2003 11:43:01
Desde pequena, perceber que eu era parte integrante do todo era muito fácil.
Não havia limites entre meu corpo físico e a natureza.
Eu podia ver os minúsculos seres que constróem e mantém em funcionamento o mundo visível. Semitransparentes, eles dançavam e brincavam entre os pingos de chuva, e no meio das folhas da horta que meus avós cultivavam no quintal.
Eu podia sentir as ondas de energia nos cômodos da velha casa onde morava, e nos ambientes que visitávamos, era atraída ou repelida pela energia que emanava das pessoas.
Eu ainda não sabia falar direito e já pressentia quando as coisas não estavam bem em minha família, ou quando alguma coisa boa estava para acontecer.
Quando comecei a falar sobre o que sentia, entendi depressa que devia ficar de boca fechada. Os adultos ficavam chocados ao me ouvir opinar sobre coisas que, na minha idade, eu não deveria sequer saber que existiam, e muito menos, emitir opinião a respeito.
Aprendi a observar em silêncio.
Esse aprendizado foi bom, porque com ele ficou claro que cada um dos seres humanos era um mundo separado, independente.
Lembro-me de que uma das idéias mais fascinantes que me passavam pela cabeça, era a de que, assim como eu calava meus segredos, todas as pessoas ao meu redor calavam os seus também.
Comecei a entender que quando os adultos faziam silêncios prolongados, esses silêncios estavam carregados de energias de todas as cores.
Foi assim que os silêncios e as palavras adquiriram enorme importância para mim.
Tornei-me uma criança séria, concentrada, mas que podia ser bem tagarela, se lhe perguntassem algo.
Aprendi que existe um Deus que nos criou e a todas as coisas, quase ao mesmo tempo em que conheci papai, mamãe, vovô, vovó, titio, titia. Ele era um membro invisível da família. Alguém que protegia a todos e em troca exigia que todos tratassem bem e cuidassem uns dos outros. Parecia fácil.
Quando entrei para a escola, uma escola administrada por freiras católicas, percebi que Deus era bem mais importante do que isso. Indefinido em sua forma, e muito mais onipresente do que eu imaginava, ele impregnava tudo o que existia, e a partir dessa impregnação, vivificava e controlava.
Fui desencorajada a pensar dessa forma. Segundo me disseram, se eu seguisse essa linha de pensamento, logo acabaria concluindo que até mesmo os animais ou os seres inanimados têm alma. Que isso era uma heresia, já que para os cristãos apenas o homem, entre todas as criaturas, havia sido privilegiado com o dom do espírito.
Todos esses senões, vindos dos representantes daquele que eu imaginava tão perfeito e maravilhoso, abalou bastante minha amizade com Ele. Comecei a achar que Ele também tinha os seus defeitos. O principal era o de ser muito ranzinza, autoritário e até um pouco preconceituoso. Para falar a verdade, eu fiquei um pouco decepcionada.
Mais assustada fiquei quando li a Bíblia, e conheci a sua face mais terrível. Foi quando descobri que ele foi agraciado com título de Senhor dos Exércitos.
Ao longo dos anos, me tornei estudiosa e dedicada, não apenas porque queria saber as coisas, mas também porque, quanto mais eu sabia sobre o mundo e os homens, mais elementos eu tinha para entender Esse Ser por quem eu sempre senti uma forte e estranha atração.
Lembro-me que um dia, depois de ler sobre injustiça, miséria e fome no mundo, conversei com Ele e Lhe disse que estava disposta a morrer para que aquelas pessoas tivessem alguma chance de viver melhor. E que, se a Paz no mundo pudesse avançar um milímetro, com a minha morte, eu aceitaria deixar de existir para que isso acontecesse.
A resposta que obtive, foi a de continuar vivendo. Concluí, então, que ele não estava disposto a negociar naqueles termos.
Mais tarde, levada a estudar teologia pelas freiras que cuidavam de minha educação, percebi que meus senões, brigas e desentendimentos com Deus, sempre seguidas de períodos de harmonia, amizade e dedicação, eram o que os religiosos chamam de vida mística, ou seja, um intenso relacionamento com o Criador.
Por ter desenvolvido a chamada ‘vida mística’, nunca pude, mesmo na época em que rompi meu relacionamento com Deus, perder o interesse pelas coisas do espírito.
No aprendizado teológico aprendi que a fé é um dom de Deus. Nasce-se com ela, e quando não se tem, suplica-se para recebe-la.
Sempre me senti afortunada por ter nascido crente, já que mesmo quando dizia a mim mesma que Deus não existia, não podia deixar de pensar n’Ele, ou lamentar-me por não conseguir mais comunicar-me com Ele.
Como me disse uma vez um amigo, ou melhor, o meu mais importante instrutor encarnado, quando um discípulo tira o pé da senda, ele se sente um órfão, um deserdado, um ser sem rumo sobre a face da terra.
Quando me propus agora a escrever sobre fé, achei que tinha algo importante a dizer a quem em nada crê.
Neste instante em que estou quase no final do artigo, me lembrando de mensagens já canalizadas, dirigidas a pessoas que não acreditam em nenhuma forma de divindade, entendo o que precisa ser dito a quem não crê...
Deus não se importa se um ser humano acredita nele ou não. A fé é um dom, como a facilidade para falar várias línguas, cantar, desenhar, ou dançar. E como tal, a uns é dado e a outros não.
Independente de merecimento, todos os seres existentes, crentes ou não crentes, são orientados e assistidos, em seus caminhos de autoconhecimento, com o mesmo amor. Admitindo ou não a existência de um criador, todas as criaturas são por ele amparadas, e todas cumprirão sua missão, que muitas vezes, pode ser a de simplesmente, não crer.
Porque a fé e a incredulidade são os dois extremos de uma mesma e única qualidade divina manifestada na matéria. A que corresponde à cor rubi, ou seja, o raio da devoção.
Se você é uma daquelas pessoas que não consegue admitir a existência do Incriado Ser Supremo, e por causa disso, não consegue comunicar-se com Ele, não se preocupe. Não há nada de errado com você. Muito provavelmente ele quer que você seja assim, exatamente assim, incrédulo como você é.
E se Ele quiser que você seja diferente, dará um jeito de lhe dizer isso.
Siga a sua vida respeitando os seres viventes, apenas porque eles são feitos da mesma substância que você, não interessa por quem, e com você partilham os recursos do planeta, que pode muito bem ter surgido de um big-bang inicial.
Tudo o que você precisa está aí mesmo. E sua vida lhe pertence, seja ela fruto do acaso, ou manifestação de uma Consciência Única, que experimenta e evolui, em constante e intensa troca da energia chamada amor.
Não acredite em Deus. Não acredite em mim. Creia em suas própria força e siga a lei esculpida em seu próprio coração.
Crentes e não crentes, estaremos sempre unidos.
Porque Somos Todos UM!