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A Violência Simbólica da Mídia

por WebMaster em Psicologia
Atualizado em 03/05/2006 12:05:29


Os meios de comunicação influenciam nossos valores, crenças e comportamentos, submetendo-nos a um processo de massificação que nos torna iguais e nos dá a falsa ilusão de que somos livres para escolher.
(Por Vera Lúcia Franco)


Passeando pela cidade me dei conta de que não só sons incômodos, como as sirenes, as buzinas de carro e o apito do guarda noturno, fazem parte da nossa vida, mas que também somos diariamente bombardeados por um sem-número de informações sem tomar consciência.

Para alguns solitários, a voz da TV ou do rádio, por exemplo, pode trazer de fato uma reconfortante sensação de companhia até que adormeçam. Mais do que nunca, porém, é fundamental percebermos como a grande quantidade de informações que recebemos através dos meios de comunicação de massa é capaz de interferir em nossa vida subjetiva, em nossas relações sociais e na realidade que nos cerca. Na verdade, eles não só informam e divertem, mas também influenciam valores, crenças e comportamentos. Tal influência, evidentemente, pode ser positiva ou negativa. Não há como negar que, através dos tempos, muitos filmes e novelas vêm, por exemplo, questionando preconceitos e denunciando comportamentos pouco éticos. Por outro lado, não podemos esquecer que, não raro, personagens do cinema ou da telinha desempenham o papel de garotos-propaganda, exibindo produtos de higiene e toalete, alimentos, bebidas, lazer, moda, cultura e, sobretudo, conceitos.

Em outras palavras, por trás do divertimento há uma verdadeira indústria achatando e formatando a consciência das pessoas, que foram reduzidas a meros consumidores. De indivíduos livres e capazes de ter opiniões próprias, passamos a ter necessidades criadas pela mídia; de modo geral, somos governados pelos meios de comunicação. Sofremos um processo de massificação que por um lado nos torna iguais e, por outro, nos propõe a ilusão da liberdade, já que nos faz acreditar que somos livres para escolher.

Se estamos cada vez mais confinados a um sistema de valores que nos é imposto, como podemos então falar em liberdade e autonomia? Se nos vestimos da mesma maneira - a isso chamamos moda - e criticamos quem não se veste como nós; se consumimos os mesmos produtos; buscamos status, dinheiro, conforto e fama; se, na verdade, pensamos e desejamos as mesmas coisas, onde está as diferenças?

Em seu livro Violência e Psicanálise, J.F. Costa afirma que em cada contexto histórico a sociedade forma um tipo psicológico ordinário, em resposta ao que ela necessita no momento. Esse tipo é nada mais nada menos do que a universalição de particularidades emocionais previamente definidas como normais. Tal processo acaba resultando numa violência simbólica, uma vez que se impõe à pessoa a realidade que ela deve adotar como referencial exclusivo para a sua orientação no mundo. É, portanto, através da intimidação ideológica que se alcança a adaptação das pessoas, a qual facilita o controle social.

Ao aceitar essa padronização, o indivíduo enclausura a sua subjetividade dentro de si, passando a mostrar o que se espera ou o que se quer dele. Ou seja, ele começa a viver uma aparência e, quanto mais se ajusta a ela, menos compreende seus desejos, sentimentos e a sua própria existência; gradativamente, perde a consciência de quem realmente é.

Assim, num mundo com tantas informações, ruidos e apelos, a vida vai descrevendo seu rumo vertiginosamente: ninguém mais tem tempo para nada, principalmente para tomar consciência sobre o que de fato está lhe acontecendo.

Modernamente, o fantástico aparato tecnológico nos leva a crer que estamos mais próximos uns dos outros, porém, estamos cada vez mais enredados no individualismo, na superficialidade e na competição, que acaba por resultar na violência.

Ao escrever 1984, George Orwell alertava para o perigo de estarmos caminhando para uma sociedade totalitarista. Na ficção, o Grande Irmão vigiava toda a sociedade através de câmeras e microfones, 24 horas por dia, cerceando ao máximo o exercício da liberdade individual de seus habitantes. Apesar de isso não estar muito claro para a maioria das pessoas, no fundo é o que está nos acontecendo atualmente através da perda de valores essenciais da vida em troca dos valores de consumo. Gradativamente, graças a essa massificação, não estamos perdendo a liberdade individual de pensar e sentir?

Aparentemente inspirado no roteiro do livro, em 1999 surgiu na Holanda o programa Big Brother, reality show criado pela Endermol, uma das empresas de entretenimento da Europa. Seu objetivo é levar o público a uma interação cada vez maior com seus participantes.

O Big Brother, como se sabe, é um jogo que mistura em um mesmo cenário pessoas de temperamento e nivel sociocultural diferentes e que, de preferência, tem um belo rosto e um corpo esbelto. Elas devem conviver em uma casa durante dois meses, dia e noite, sob a vigilância de câmeras e microfones espalhados por todos os espaços em que se movimentam.

Através da TV, o público acompanha diariamente o desenrolar dessa convivência, opina sobre a atuação de cada um e até decide o rumo que as coisas devem tomar. Os participantes, por sua vez, sabem como está seu Ibope diante do público e que disso depende sua vitória ou desclassificação.

O drama de quem participa do Big Brother é, no fundo, muito parecido com o dos cidadãos comuns; a idéia central do programa é ver como reagem as pessoas sob confinamento e vigilância constantes. No final, vence aquele que conseguir cativar o telespectador, cabendo-lhe, além da fama, uma rica soma em dinheiro.

Nesse show de irrealidade, parece ficar claro como a história do entretenimento é capaz de nos sugar para fora de nós mesmos. No caso do Big Brother, isso se dá através da identificação com o drama dos participantes do programa. Ao cedermos à tentação de acompanhar suas mazelas cotidianas, nos deslocamos da nossa vida e caimos prisioneiros de uma profunda alienação. Sob a égide da interatividade, passamos a viver a vida de um personagem, tentando dar soluções para o seu drama interior.

Muitos, com certeza, acham essa uma excelente distração, na medida que, por certo tempo, nos ajuda a não pensar nos nossos próprios problemas. Enquanto isso, porém, a nossa vida vai passando e cada vez mais vamos nos distanciando dela para tomar parte de uma realidade que não passa de uma aparência bem organizada.A imaginação - é verdade - tem uma função importante no desenvolvimento humano, pois ela nos ajuda a compreender o mundo, a deduzir o que provavelmente vai acontecer, ou mesmo a intuir e compreender emocionalmente este ou aquele acontecimento. É através dela que podemos nos distanciar da realidade e expressar a profunda ansiedade humana em experenciar algo diferente do que existe. Se levado a extremos, porém, o exercício da imaginação pode obscurecer a nossa visão da realidade, fazendo com que nos percamos dentro de um mundo de faz-de-conta.

Num universo aparente como o nosso, os limites entre o verdadeiro e o falso se confundem e fica dificil distinguir o que é real do que é pura ilusão. À semelhança dos participantes do Big Brother, estamos presos a uma estrutura de valores preconcebidos que nos desconecta da nossa verdadeira essência; assim, ficamos vulneráveis a todo e qualquer tipo de manipulação. No reality show o público representa esses valores, modelando o comportamento de cada participante do programa através da crítica e do elogio; se mostrar o que dele se espera, ele ganhará fama e dinheiro, caso contrário, será rejeitado através do chamado paredão.

Mas na vida real, quem vence esse jogo? Provavelmente o mais novo tipo psicológico ordinário que esta sociedade tecnológica, consumista e desumana elegeu: aquele que não se importa de esvaziar-se de toda a sua vida interior. Aqui, porém, o prêmio é na verdade um castigo: a perda do contato com o próprio Self para representar uma identidade fictícia e ideal, exigida pela sociedade de consumo.

Fugir desse processo, sem dúvida, não é tarefa das mais fáceis. Talvez o primeiro passo nesse sentido seja determinar que tipo de pessoa queremos ser e que valores básicos desejamos para nortear a nossa vida.


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