Como curar algo que o tempo não apaga?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 08/04/2020 11:34:56
Sandra aparece em meu consultório, extremamente tímida, desculpando-se de tudo que possivelmente não estaria correto em sua cabeça.
Veste-se como se fosse um rapaz, embora seus modos sejam femininos. Sua queixa: Tem 34 anos e sequer beijou. Deseja ao menos ter essa sensação em sua vida. Quando pergunto se deseja também ter algum desenvolvimento a partir disso, sua fala é de não se achar capaz de atrair um homem nem para um beijo, nem para algo mais.
Conhece o EMDR por pesquisas pessoais no mundo da internet e vem ao consultório seguindo uma trilha nessas suas pesquisas. Conta que é muito solitária, formada em Letras e que trabalha numa Biblioteca estadual.
Conversamos algumas poucas sessões e entendo que ela pode fazer o EMDR.
Notem que Sandra se queixa de alguns sintomas, revela outros em seu modo de atuar e em seus relatos evidencia alguns fatos marcantes de sua vida. Tem idéia do que a deixou ser daquele modo, mas não consegue mudar.
No decorrer das sessões, aspectos dela vão se revelando para si mesma, memórias esquecidas vão ressurgindo como se fosse uma imensa teia, quebra-cabeças já montados anteriormente, agora já iluminados por sua consciência e visão. Seu cérebro, em comum acordo com o mandato de cura emocional, inicia o remodelamento desta trama com a ajuda dos aspectos e recursos da Sonia de agora. No final, começo de tudo, Sandra encontra-se em momentos de desproteção, passa por situações onde reviveu muito medos assustadores e raivas não vividas em situações claustrofóbicas...
Tudo isso vai desfilando em sua mente até que a mesma passa a se reordenar no que estava enterrado de modo obscuro em seu psiquismo, trazendo novas soluções em meio a sensações e pensamentos inusitados. O dinamismo do EMDR passa por novas e criativas soluções que pela espontaneidade surpreende a todos, inclusive, ao paciente atuante e expectador de si mesmo em sua jornada interior de autoconhecimento e transformação.
No final das seções, Sandra nem lembrava mais de como era antes... Sabia-se tímida, mas esquecera-se da dimensão que este fato ocupava em sua vida. Ou seja, o assunto perdeu o sentido e por ter sido totalmente reprocessado, as conexões neurológicas antes viciadas num padrão de comportamento e de resposta, transformam-se por completo, mudando-a como um todo.
Se a pessoa muda, mudam suas relações consigo mesma e com os outros, portanto o mundo reagirá diferentemente e, em nome dessa resposta diferente, a pessoa também passará por novas experiências e assim por diante...
"O tempo não apaga, ele enterra algo vivo que continua vivo. O EMDR desenterra, reprocessa, atualiza os tempos do passado com o presente permitindo transcendência de todas as limitações emocionais".
Vida após o EMDR: - "O agora acontece com toda a intensidade, o futuro é projetado no melhor, no que realmente faz e dá sentido".
Conheça um pouco mais sobre o que é o EMDR e para quem se destina:
É um método de dessensibilização e reprocessamento de experiências emocionalmente traumáticas por meio de estimulação bilateral dos hemisférios cerebrais. Uma nova abordagem para o tratamento de traumas emocionais desenvolvida pela doutora Francine Shapiro no final dos anos 80, na Califórnia. Desde, então, o EMDR tem sido um dos métodos psicoterapêuticos mais amplamente pesquisados nos EUA na atualidade, com recomendação especial da American Psychiatric Association.
Denominado, de forma genérica, como Psicoterapia de Reprocessamento, o EMDR foi, de início, idealizado como psicoterapia breve e focal.
O EMDR é a possibilidade de cura emocional para qualquer situação que possamos estar envolvidos. Uma revolução palpável nos nossos aspectos de consciência e nas reais possibilidades de existirmos no nosso melhor.
Estresse:
Sempre que atravessarmos nossos limites de suportabilidade física e emocional, o estresse será desenvolvido. Disparadores que produzem mal-estar e, por conseqüência, estresse, podem ser elencados em diversos cenários diferentes como, mudança de cidade, conquista de novos cargos, divórcio, perdas, cirurgias, situações emocionais desagradáveis, repetitivas, excesso de jornada de trabalho e outros.
Trauma ou conflitos emocionais:
Quando não conseguimos lidar com acontecimentos difíceis, costumamos congelar as memórias perturbadoras dessas vivências em algum local de nossas mentes. Ao longo da vida, novas memórias interligam-se às memórias armazenadas, formando as mais variadas bases de interpretação da realidade que desenvolvem toda a gama de sentimentos e comportamentos. Novas experiências, portanto, sobrevêm com o colorido emocional do passado, juntamente com recursos adaptativos desenvolvidos anteriormente.
EMDR, como funciona?
O método de 'dessensibilização e reprocessamento através de movimentos oculares', envolve exercícios, como pedir ao paciente que acompanhe o movimento dos dedos do psicólogo de um lado para outro. Enquanto isso, o terapeuta pede que ele recorde a cena mais traumática de algum episódio que o perturbou ou o perturba e tenha dificuldade de resolver. Na sequência, pergunta que emoção está sentindo.
O método não consiste apenas no emprego de movimentos oculares. Trata-se do resultado do trabalho de profissional clínico devidamente capacitado e certificado pelo EMDR Institute, nos Estados Unidos. O EMDR é um procedimento complexo que exige o conhecimento da história clínica do paciente, um diagnóstico apropriado e o desenvolvimento de relação de confiança entre terapeuta e cliente.
A pesquisa dos Movimentos Oculares Rápidos (REM), que ocorrem durante o sono, é relevante para esclarecer o êxito do EMDR. Estudos demonstram que todos processamos as experiências do dia durante as etapas do sono REM. Em situações normais, o cérebro "revisa" as experiências do dia, processa-as e arquiva as lembranças em um enorme banco de dados cerebrais. No entanto, quando temos alguma experiência traumática, parece que o cérebro não consegue processar o evento e o incidente permanece aprisionado em uma espécie de "nó neurológico". É possível que os pesadelos sejam tentativas fracassadas do cérebro no sentido de processar essas lembranças traumáticas.
Conflitos, perturbações e EMDR:
No EMDR existe um intercâmbio de todas as partes do cérebro no intuito de que a experiência perturbadora seja reprocessada e desta forma os hemisférios cerebrais entram num acordo para que ao reprocessamento seja feito com eficiência. É interessante notar que durante o reprocessamento em EMDR, observamos o nosso cérebro trazer imagens, sentimentos, pensamentos, emoções e outros muitas vezes sem a lógica linear conhecida pela mente alerta. Por isso, é importante o não julgamento do paciente sobre o que ocorre durante o período de reprocessamento. Os resultados são surpreendentes em ganho de consciência, de novas atitudes e, principalmente, em alegria e qualidade do viver.
EMDR:
Não é uma metodologia mágica, porém, tem a sua mágica na rapidez em que ocorrem as mudanças. Hoje representa a terapia para as demandas do século XXI, onde tudo acontece rapidamente e de forma muito mais veloz do que no século passado. Freud postulou a associação livre para que pudéssemos resolver as nossas mais profundas questões emocionais. Isso na época durava tempo. Hoje o EMDR faz isso na máxima velocidade, como diz David Grand, Phd em seu livro "EMDR, cura emocional na máxima velocidade".
"Se o corpo humano tem a capacidade de se curar das feridas físicas com relativa rapidez, por que não a mente?" (Shapiro). A terapia com EMDR ajuda a mente a se recuperar.
Como é a sessão de terapia de acordo com o método EMDR?
O terapeuta pede ao cliente para trazer à mente alguma lembrança ou pesadelo, uma imagem real ou imaginária, uma sensação corporal ou um pensamento. Ao aplicar a estimulação bilateral, ativa-se a rede onde ficou presa a lembrança e restaura-se a capacidade de processamento. Isso permite a busca de informações em outras redes neurológicas, onde a pessoa pode encontrar o que precisa para compreender o que lhe aconteceu. As duas redes onde está arquivado o trauma e onde estão as informações úteis à compreensão-, conectam-se pelo que se chama "processamento acelerado de informação".
Cada série de movimentos continua liberando a informação perturbadora e acelerando a elaboração dessas lembranças e imagens por meio de um caminho adaptativo até que os pensamentos, sentimentos, imagens e emoções tenham se dissipado e sejam espontaneamente substituídos por uma atitude positiva (Parnell, 1997:55).
Às vezes, questões aparentemente simples, revelam-se durante o percurso do EMDR com extensões inimagináveis e isso requer conhecimento prévio para que o suporte seja eficiente.
O EMDR por ser um reprocessamento que envolve as conexões neurológicas pode ser entendido como uma espécie de "ginástica mental" onde uma rede neurológica viciada num tipo de conexão passa a funcionar de modo diferente do usual.
Outros efeitos referem-se a sonhos diferentes, bem como sentimentos internos por sessão diferentes do usual, bem como mudanças em hábitos, relacionamentos interpessoais e na forma de pensar.
Quanto ao numero de sessões necessárias para que o paciente vivencie alguma melhora em seu estado?
Depende de paciente para paciente já que cada pessoa tem sua forma de reagir e de enfrentar suas dificuldades. Às vezes são necessárias poucas sessões para resolver um tema e outras vezes é preciso várias sessões para cada queixa/tema apresentado.
O que pode acontecer também é que após uma situação de EMDR solucionada, outras questões antes obscuras emergem para serem solucionadas. O que acarreta um tratamento mais abrangente.
Aplicação do EMDR:
Existe um protocolo que deve ser rigorosamente seguido com a finalidade de que terapeuta e cliente tenham acesso a todos os detalhes que envolvem a situação referida a ser reprocessada. Nele observamos aspectos emocionais envolvidos, pensamentos/crenças/mandatos, sensações corporais, grau de perturbação e outros.
A partir daí, por intermédio de movimentos bilaterais que podem ser auditivos, visuais ou táteis, começa o reprocessamento em EMDR. Estes movimentos auxiliam os hemisférios cerebrais realizarem o processo de modo profundo. Durante o reprocessamento, ao mesmo tempo em que o paciente observa e controla o processo, ele está atuante no mesmo.
O EMDR é um recurso/abordagem em si mesmo altamente potente e não há absoluta necessidade do auxílio de outras técnicas terapêuticas. Mas tem a vantagem de poder ser conjugado com inúmeras outras abordagens.
Que tipo de pessoas pode fazer o EMDR, crianças podem?
Em geral a maioria das pessoas podem se beneficiar com o uso desta metodologia. Pessoas com risco de dissociação grave de personalidade e fragilidade egóica importante não tem indicação. Ou com algum tipo de transtorno psicológico ou neurológico grave, por exemplo, psicóticos, esquizofrênicos, transtornos de personalidade sem estabilização (inclusive medicamentosa) apropriada do paciente. Pacientes cardíacos e gestantes devem ter autorização médica devido ao riso disparado por emoções fortes e/ou intensas provenientes de histórias passadas.
O EMDR é super indicado para crianças e mesmo para bebes de colo, onde a mãe ou pai, ou pessoa que cuida passam simultaneamente pelo processo.
A metodologia mostra-se bastante eficaz em situações de:
Depressão
Doenças Psicossomáticas
Crenças Limitantes
Pensamentos recorrentes
Situações desagradáveis de vida repetitivas
Sexualidade
Timidez
Trauma e lembranças dolorosas
Ansiedade e/ou Medos
Fobias
Ataques de pânico
Pesadelos e/ou terror noturno
Temas familiares
Relacionamentos interpessoais
Divórcio e separação
Temas de orientação sexual
Espiritualidade e questões religiosas
Transtornos do sono
Adições e dependência (alcoolismo, drogadição, tabagismo, etc.)
Enurese noturna
Dificuldades de aprendizagem e problemas escolares
Anorexia/Bulimia/Transtornos de Alimentação
Obesidade
Adição sexual e/ou pornografia
Obsessividade/compulsão