Cyborgs Versus Humanos
por Luís Vasconcellos em PsicologiaAtualizado em 02/12/2002 13:42:13
Vemos que a figura do cyborg está se inserindo cada vez mais em nosso cotidiano (em filmes, revistas, em robôs cada vez mais evoluídos e complexos), mas, se não o vermos como SÍMBOLO DE UMA POSSIBILIDADE HUMANA e, portanto, não nos apercebermos de que podemos estar, nós mesmos, nos comportando de modo parecido, repetindo nossos “programas” aprendidos e ficando presos irremediavelmente ao mundo conhecido e familiar dos nossos comportamentos repetitivos (campo consciente). Então, neste caso, não evoluímos em consciência de compreensão ficando presos aos julgamentos e categorias conscientes.
Toda a nossa adaptação ao mundo exterior, ao longo de toda uma vida, está traduzida através dos hábitos e condicionamentos do programa responsável pelo funcionamento do “piloto automático”. **
O medo da desadaptação ao mundo é tão grande que nos abrigamos, quase sempre e invariavelmente, no pensar “prét à porter”***, no pensamento coletivo, nos regulamentos de ser e de pensar, de modo a não nos expormos ao ridículo, ao silêncio, ao medo, ao vazio, ao caos... Naturalmente, esta atitude perpetua e estabiliza, em nós, o caos, o medo, a desconfiança e o temor ao vazio.
Quem está funcionando a partir do seu “piloto” está preso ao passado, às escolhas que já foram feitas, às decisões e conclusões a que chegou em tempos passados, sob a pressão/censura/repressão da família e das instituições sociais e em função das circunstâncias do meio às quais foi obrigado a adaptar-se individualmente.
Infelizmente, o simples fato de seguir o REGULAMENTO **** não garante, a ninguém, uma vida plena de sentido.
Normalmente qualquer pessoa acaba sendo ensinada a “parar o processo vivo e vitalizado de sua CONEXÃO com o INCONSCIENTE” em prol de atingir e estabelecer uma estabilidade/coerência na repetição e na rotina de ser, pensar, sentir e agir. Não demora, estamos todos “RODANDO O MESMO PROGRAMA”.
É como se cada um de nós DELIMITASSE UM CAMPO (a “ILHA pessoal”), e passasse a ficar muito zeloso e atento ao “rebanho de possibilidades e alternativas de ser” que acabou ficando dentro da cerca. Nós, por condicionamento cultural, passamos a resumir e reduzir as dimensões pessoais com que fomos forçados a lidar (e a desenvolver) pelas circunstâncias vividas. Depois passamos a refletir sobre estas mesmas dimensões organizadas e quase todo mundo acaba ficando absorvido por este papo interno repetitivo.
O que você supõe que É (o que quer dizer que sempre se identifica com esta característica... e a COLECIONA como elemento humano pessoal e, portanto, DO LADO DE DENTRO da cerca) implica na existência do que você SUPÕE jamais poder ser (não se identifica com aquela característica humana... e, portanto, a coloca DO LADO DE FORA da cerca delimitadora das identificações pessoais).
Muitas vezes, nestes momentos, realizamos o SÍMBOLO do náufrago, que passeia pela praia, na nostalgia daquilo que perdeu, com o olhar no horizonte distante, como quem já não mais acredita na possibilidade de uma vida plena.
Quando este “náufrago” recupera sua capacidade de orientação e de escolha pessoal ele movimenta seus recursos, ainda que pequenos, em meio a forças naturais poderosas e recupera em si a aventura de viver que, para a consciência individual, nos coloca em face do Desconhecido e que também nos coloca em um tipo diferente de alerta, uma espécie de “prontidão para tudo”, uma disponibilidade para se deixar surpreender por algo que, mais sábio, nunca havíamos descoberto antes. Este é um processo de revelação contínuo e que é seguido por novas descobertas e revelações.
Na medida em que crescemos em consciência e nos apercebemos sabendo algo mais sobre a natureza e funcionamento destes processos, descobrimos a alegria de confiar, de se entregar e de participar mais ativamente de processos mais amplos do que o nosso universo pessoal delimitado pelo consciente. Aprendemos o prazer de comungar com as forcas impessoais que nos acompanham em nosso caminhar nesta terra, aprendemos a cooperar com o sentido e a direção que a energia psíquica aponta e, assim, nos tornamos mais disponíveis às demandas e solicitações inconscientes (e que são sentidas como “vindo de dentro”).
A transformação que então acontece é chamada de “despertar” e quem desperta, com certeza, fica estarrecido com a descoberta de que esteve e estava dormente enquanto se supunha acordado. Aquela função que mereceria ser chamada de “EU” ou de “CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL” é um ÓRGÃO DE ORIENTAÇÃO.
Só devíamos chamar de CONSCIÊNCIA aquela função que atende tanto ao meio externo quanto ao interno e que fazendo a PONTE DE CONEXÃO * entre estas duas dimensões de nós mesmos criasse uma síntese entre elas, colocando-nos em equilíbrio com ambas as direções que a energia psíquica pode tomar.
Quem está seguindo “mapas prescritos” (CARDÁPIOS, REGULAMENTOS ****, RECEITAS) para orientar suas escolhas e decisões de caráter pessoal, está com a sua consciência individual desligada ou impedida de funcionar. Não demora, todo o nosso tempo de vigília é consumido neste ato de auto reflexão, pois é assim que nós mantemos a “PONTE DE CONEXÃO” * - com o Inconsciente - TOTALMENTE OCUPADA e é assim que CORTAMOS/REPRIMIMOS/CENSURAMOS as outras MANIFESTAÇÕES do nosso SER.
É como desligar um cyborg e mudar sua programação de modo a humaniza-lo e dota-lo de uma qualidade de vida mais inerentemente humana. Nós precisamos do cyborg (que é uma função psicológica necessária e importante), mas não devemos entregar a ele decisões e escolhas que só nós podemos compreender, pois o sentido e o significado de nossas ações como humanos dificilmente encontra seu sentido mais pessoal (individual e intransferível) nas generalizações de qualquer tipo.
Não é que nosso “piloto automático” não lide com a dimensão do desconhecido (Inconsciente)... pois ele lida, sim, e o faz NEGANDO FEROZMENTE A DIMENSÃO DO DESCONHECIDO...
Para o “piloto automático” o desconhecido não existe, e seu fundamentado ponto de vista faz parecer que o alcance possível (ao EU) já foi atingido e que foi encontrada uma ilha de sossego e de tranqüilidade. É assim que ele nos apequena e nos torna tímidos e frágeis, virtualmente incapazes de tomar uma decisão verdadeiramente pessoal, incapazes de arcar com as conseqüências de nossa peculiar condição humana...Os clientes narram uma experiência interessante... relatam que ao começar a ouvir a “voz do órgão de orientação” (a consciência individual), esta última parece “um OUTRO processo de pensamento,” diferente do processo conhecido, repetitivo e “familiar” do pensamento do “piloto automático” e que, este OUTRO PENSAR, é muito mais individualizado e muito mais atento às suas verdadeiras e essenciais necessidades. De fato, em seu funcionamento, este OUTRO PENSAR engloba recursos dos sentidos, dos sentimentos, da intuição e da imaginação, recorrendo a recursos racionais tanto quanto aos aparentemente irracionais.
O processo de reforma pode demorar alguns meses mas, ao final, o “piloto automático” é reprogramado, passando a cumprir uma função mais coordenada com o “TODO” e deixa de trair este “TODO” por suas escolhas convencionais e ações sem nenhuma graça pessoal. O processo aqui apontado e descrito é parecido com “desligar um programa” e “passar a rodar outro programa”.
Naturalmente, qualquer UM que se exponha a isto terá que reformar (tornando PESSOAL, o que nele era apenas GENÉRICO) toda a programação do “piloto automático” e é nesta reprogramação que o psicólogo deve ajudar, mantendo os olhos firmes no simples, no natural e no essencial (o que, muitas vezes é o mais difícil, pois todos temos, sem exceção, um apetite enorme por coisas complicadas e intrincadas, complexas e conflitivas).
Naturalmente há um impacto em qualquer um ao descobrir-se fazendo escolhas de um modo mais personalizado, com autonomia, responsabilidade e independência crescentes. Deste impacto, também emerge a constatação de que o campo consciente (piloto automático) é muito mais um SERVIDOR DO MUNDO e não necessariamente de nós mesmos, como sempre pensamos até então.
A partir deste impacto passamos a um processo (assistido) de reconfiguração do “piloto automático”. Às vezes um psicólogo precisa de um pouco de sorte pois algum fator externo pode aparecer para ajudar a desestabilizar o “piloto automático” de uma pessoa.
Uma “puxada de tapete”, trazida pela “maré dos acontecimentos”, pode ser de grande ajuda, nesta hora, mas apenas se a pessoa que a sofreu, tiver a inteligência e sabedoria de servir-se desta “trombada da existência”, como uma espécie de ponto-de-partida e, assim, utiliza-la para alavancar seu processo de transformação...
Se em sua vida o DESCONHECIDO ainda está presente, o cyborg ainda não tomou a si todos os seus recursos e alternativas. Caso contrário, se o DESCONHECIDO não existe mais em sua vida, e se, em seu mundo pessoal, tudo e todos lhe parecem perfeitamente explicáveis e familiares; cuidado: você pode estar sendo vítima inconsciente de um “piloto automático” internalizado e, também pode muito bem acontecer que as parcelas mais substanciais de sua própria vida, lhe estejam sendo surrupiadas.
A liberdade, a espontaneidade e a alegria de SER aparecem para a pessoa que segue seu “coração”, que se mostra aberta a outras vozes dentro de si, que não teme a participação de outras camadas de si mesmo, em suas decisões, escolhas e compreensões.
Em consultório, o psicólogo que trabalha com o Inconsciente leva o seu cliente a abastecer-se na fonte original de sua energia psíquica e, assim agindo, reforça o elo de conexão do campo consciente (vulgo “Piloto automático”) com o Inconsciente.
Glossário:
* “Ponte de conexão”: Os conteúdos aparecidos em sonhos ou através da Intuição, da Imaginação e da Fantasia são um claro sinal de que houve uma ativação da nossa Conexão com o Inconsciente. Esta assim chamada “ponte”, serve para que os conteúdos do Inconsciente transitem através dela e que sejam então reconhecidos pela consciência de vigília. Quando esta conexão está ativada, nós “sabemos das coisas” com uma força e clareza incomuns ainda que, nem sempre, a gente tenha uma noção clara do “como sabemos”.
** “Piloto automático”: campo consciente, consciência de vigília, pensamento linear e intelectual; hábitos arraigados e rígidos de ser, estar, sentir e agir.
*** Prêt-a-porter: Tudo que é “standard”, pré-definido; comum e igual para todos; feito em série para grande consumo...
**** “Regulamento”: conjunto de crenças e de explicações convenientes a um determinado tempo histórico; padrões de explicação e de crenças comungadas por toda uma comunidade histórica e geograficamente situada. O conjunto de axiomas nutridos pelas crenças compartilhadas de uma comunidade.