É possível `apagar´ lembranças ruins?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 08/04/2020 11:35:18
Implantar memórias boas no lugar das ruins. Parece ficção científica, como se vê nos filmes A Origem e Matrix, mas é plenamente possível. Os famosos traumas e perturbações que acometem nossa mente, impedindo nosso bem-estar mental e prejudicando as atitudes do dia a dia, têm uma solução de quatro letras: EMDR, uma sigla que significa dessensibilização e reprocessamento através de movimentos oculares. O método auxilia a refazer conexões e a trabalhar novas sinapses cerebrais, sendo possível assim, estimular os dois lados do cérebro, obtendo resultados rápidos e de maneiras surpreendentes, redimensionando as lembranças perturbadoras.
Exemplos é o que não faltam quando se exerce este tipo de terapia. Lembro de um paciente que veio ao consultório por conta de um evento marcante que estava começando a deixá-lo com sinais de que literalmente estaria entrando em processo de pânico quando entrava em elevadores. O fato é que cerca de dois meses antes, já tarde da noite e depois de um árduo dia de trabalho, ele havia ficado preso sozinho dentro do elevador do prédio onde morava. O seu processo de resgate demorou cerca de uma hora e meia, algo muito além do tempo usual para ser concluído. Durante o tempo em que esteve trancado no elevador, apesar do imenso cansaço e calor sentido, ele lembra que o pior momento foi no instante em que teve uma breve sensação de que iria desmaiar. Logo na sequência, porém, pôde se controlar a ponto de que isso efetivamente não ocorresse. Outra coisa que também foi marcante no evento, é que quando finalmente conseguiram abrir a porta do elevador, ele saiu meio que em fúria se encaminhando diretamente para o seu quarto, onde exausto, jogou-se em sua cama, acordando somente no dia seguinte.
Depois desse evento, achando que estava tudo bem, no dia seguinte, como de costume, pegou o elevador para descer do seu andar ao térreo do seu prédio para ir ao serviço. Até aí, nada incomum havia acontecido. No prédio onde trabalhava também pegou o elevador e até aquele ponto, tudo estava correndo bem. No final do dia, porém, já cansado novamente, pega o elevador para descer e algo em seu peito palpita mais forte. Uma certa ansiedade de fundo surge, um medo talvez, e uma voz silenciosa insistindo em lhe dizer..."e se o elevador parar..." lhe acometem. Era o sinal do trauma instalado e da ativação de medos até então desconhecidos. Sem perder tempo e já pressentindo que esta sensação e sentimentos tenderiam a piorar, o paciente veio em busca de cura emocional. A memória do acidente com o elevador e o eco que fazia em sua mente precisavam terminar para que a sua vida pudesse continuar a fluir como sempre.
Jorge, vamos dar esse nome, seguiu em terapia EMDR e surpreendentemente para ele, e mesmo para mim, seu cérebro o levou de imediato para uma cena de parto. Entrou em contato no momento em que estava em seu próprio parto natural. Ele estava nascendo, só que, numa fração de segundo e num susto enorme, escorrega de volta para dentro da barriga da sua mãe. Uma sensação de quase-morte o invade, de um rápido sufocamento e talvez um quase desmaio, antes mesmo de nascer. Medo. Muito medo. Alguns segundos depois, que deixaram a sensação de ser uma eternidade, o médico literalmente coloca a mão e consegue virá-lo para a posição correta, auxiliando-o em seu nascimento. Após reviver esta cena em meio ao descolamento de todos estes sentimentos represados, percebe-se altamente cansado, até que finalmente dorme... Num outro pulso de movimentos bilaterais, seu cérebro o leva para a cena do elevador onde ele revivencia todo o estresse, seus medos velados, agora revelados na cena do elevador, seu quase desmaio e suas angústias até que a porta do elevador se abriu. E diferentemente da cena real, em seu EMDR, ele está como um bebê recém-nascido e duas enfermeiras carinhosamente o pegam exausto do chão do elevador e o embalam no colo até ele relaxar, colocando-o em sua cama de adulto onde ele acolhido e com confiança, de verdade, pode descansar com tranquilidade.
Depois da reedição deste evento, além de se recuperar totalmente dos sinais de pânico que começavam a crescer, pode ficar muito mais relaxado e confiante do que sempre. Vários bloqueios antes invisíveis foram reprocessados e a qualidade sua vida ficou surpreendentemente melhor, mesmo ele não tendo anteriormente a menor ideia de que essas travas emocionais estavam lá antes do evento do elevador, dificultando-o de ter plenitude de diversos de seus cenários de vida.
A terapia surgiu nos Estados Unidos e, desde então, tem sido utilizada para milhares de pessoas. O EMDR funciona assim: o especialista identifica o que limita e perturba o paciente. Em seguida, é solicitado ao indivíduo que recorde e focalize esse problema, cena, ou situação ruim, acompanhando os movimentos do terapeuta, com movimentos oculares, estímulos bilaterais, estalos auditivos, entre outros. Para se exercer essa terapia é necessário ser psicólogo certificado pelo EMDR Institute.
É possível obter vários benefícios com a técnica, que é uma ferramenta muito eficiente pois é o próprio paciente que pela revivência de suas experiências faz as associações necessárias, o que promove a sua cura emocional.