Meu namorado é bipolar. E agora?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 08/04/2020 11:35:04
Rogério sempre foi um rapaz dinâmico, um multitarefas que faz mil e uma coisas ao mesmo tempo. Muito energético, sempre com milhões de ideias e ideais lhe vindo à mente, prontos a serem concretizados. Na época de sua crise, porém, não estava apto a concluir nada que dava início, pois tanto seus focos de ação como de pensamento, a cada momento freneticamente mudavam.
Certo dia, estávamos passeando de carro quando, repentinamente, ele parou na frente de um garoto de rua e sensibilizado com seu estado precário de sobrevivência, ofereceu-lhe todo o dinheiro que havia em sua carteira. Apiedou-se de tal modo pela situação do menino que chegou a ponto de convencer o menor a levá-lo onde dormia para que pudesse ajudar a outros também. Muito a contragosto e embora tivesse suplicado para que não fôssemos até o local, Rogério colocou o garoto no carro e fomos até as redondezas, mais precisamente em baixo de um viaduto onde outros iguais encontravam-se largados, deitados em cobertores e jornais. Olhando a situação, Rogério determinou que os levaria para sua casa na finalidade de alimentá-los. Após este episódio, situações de impulso como esta foram se agravando e ampliando até que Rogério foi convencido por mim e pela família a buscar tratamento.
Saber do diagnóstico, a princípio, foi difícil, mas confortador para todos na medida em que começávamos a entender o que acontecia e como. Compreender que havia solução, posto que Rogério teria estabilização mediante a tratamento, certamente foi o melhor. Rogério havia adoecido e precisava ser cuidado.
Gostamos um do outro, logo de início, quando nos conhecemos e, em pouco tempo, apaixonados engatamos no namoro. Rogério sempre se mostrou bastante amoroso e trabalhador. É certo que nesse tempo de namoro o percebia em determinadas circunstâncias em meio a empreendedorismos desproporcionais; no entanto, nada que atentasse contra a pessoa dele.
Rogério aderiu ao tratamento tanto psiquiátrico como psicoterapêutico, logo após este episódio de "mania", que é como se costuma chamar a atitude de um bipolar quando entra em estado de alegria e excitação muito acima do viável. É certo que o tratamento, somado ao acolhimento familiar, foram fundamentais para sua estabilização ocorrer. Como resultado, hoje, Rogério pode abrir espaço para dinamizar tudo o que ele tem de bom e que não é pouco.
Estamos namorando há quatro anos e em 6 meses iremos casar. Rogério e eu, a família dele e a minha, somos conscientes de que, sem tratamento, seu humor pode ficar severamente comprometido e, em conseqüência, a sua qualidade de vida decai drasticamente. Sabemos também que é possuidor de inteligência e amor fantásticos. Eu, particularmente, adoro como ele é intenso em absolutamente tudo e não abro mão desta relação, deste vínculo, deste amor, por nada neste mundo.
Este foi o relato de Rosangela, paciente que me permitiu descrever parte de seu processo, pedindo apenas para mudar alguns detalhes de sua história a fim de que sua privacidade fosse preservada.
Neste caso especifico, o estado depressivo veio, mas durou pouco graças ao auxilio d medicação e do processo terapêutico em andamento.
Fiz questão de divulgar esta vertente na intenção de que cada vez mais pessoas possam compreender e humanizarem-se em relação a alguns distúrbios que causam alterações emocionais. Estes podem e devem ser tratados com terapia psicológica competente juntamente com auxilio medicamentoso também de um profissional. Familiares não poucas vezes também podem necessitar de suporte terapêutico.
Se alguém que você conheça estiver comprometido em algum espectro singular nomeado como doença mental, saiba que existe uma sensibilidade fora do comum nestas pessoas e que todas merecem carinho, respeito e atenção. Lembrando que somos compostos de um todo com uma multiplicidade de aspectos em nossas personalidades. No bipolar, por exemplo, este será apenas um dos aspectos de sua personalidade total.