O covarde é sempre um fraco?
por Flávio Gikovate em PsicologiaAtualizado em 31/03/2006 10:57:02
Um dos nossos hábitos: usar palavras sem conhecermos com precisão seus significados, ou pelo menos sem nunca termos nos detido em reflexões sobre toda a extensão dos fenômenos que elas representam. Vejamos, por exemplo, o que é covardia.
A fraqueza é o oposto da coragem, que é uma virtude. Sobre a coragem falaremos em outra oportunidade. Do senso comum tiramos a idéia que o covarde é uma pessoa que evita situações de violência, especialmente de violência física, por ter muito medo; medo de levar a pior, de apanhar.
Em geral, são homens que tiveram uma infância bastante atribulada. Eram crianças mais fracas. Choravam com mais facilidade do que o habitual dos meninos. Nas brigas, apanhavam sempre. Eram, o tempo todo, objeto de chacotas e ridicularizações infundadas; o bode expiatório e o ponto de descarga de qualquer irritação ou agressividade do grupo. Envergonhavam-se muito por não terem condições de revide.
A observação mais acurada mostra que muitos destes indivíduos são criaturas extremamente sensíveis, muito emotivas, e que, apesar de terem passado por tudo o que mencionamos no período da infância, são incrivelmente preocupadas com o bem estar dos outros. São pessoas que têm uma dificuldade enorme de magoar os outros, especialmente aquelas em situação de inferioridade. Em virtude desta dificuldade, preferem muitas vezes arcar com prejuízos para si em vez de tomarem atitudes agressivas, ainda que em defesa justa dos seus direitos. Preferem se magoar a magoar outras pessoas. Quando, involuntariamente, magoam a alguém, sentem-se muito mal.
Daí, uma outra definição: o covarde é o indivíduo que tem medo de bater, e não de apanhar!
Com efeito, seria difícil entender a covardia como sendo medo de apanhar, pois o que mais acontece na vida de um covarde é exatamente isso, por força de sua falta de capacidade de revide, os que o cercam se aproveitam disso para agressões contínuas e desnecessárias. E, portanto, o covarde é o que sempre apanha.
Será, então, a covardia um defeito de caráter? Será mesmo o oposto da coragem?
São múltiplas as hipóteses que poderíamos aventar para esta dificuldade de agir agressivamente, como em condições socialmente não só aceitáveis, mas exigidas: excessiva sensibilidade e preocupação em nunca magoar terceiros porque isto desperta incríveis sentimentos de culpa; medo da própria agressividade, no fundo sentida como muito intensa; educação altamente repressiva do impulso agressivo, de modo a não conseguir exercê-lo nem mesmo quando desejado, etc.
Esta última hipótese certamente é a que encontrará maior número de adeptos, pois nossa cultura definitivamente entende o homem como um animal malvado, agressivo. Todos aqueles que não preencherem este padrão estão de certo modo doentes. Os próprios indivíduos covardes se entendem assim, ou seja, se colocam como doentes. Reclamam de sua condição e muitas vezes procuram ajuda para ver se conseguem se modificar. Na grande maioria das vezes se percebe que não só se modificam, como, na realidade, não queriam absolutamente se modificar.
Eu prefiro entender a baixa capacidade de reagir agressivamente mesmo quando provocado como o resultado de agudas e intensas sensibilidades e preocupação para com os semelhantes. São, muitas vezes, pessoas energéticas, ativas e que, quando movidas por idéias humanistas verdadeiramente convincentes para elas, adquirem enorme capacidade de ação em defesa destes ideais.