Psicoterapia Breve: Uma Abordagem Eclética - Parte 6
por Flávio Gikovate em PsicologiaAtualizado em 18/10/2007 14:27:24
b) Problemas relacionados mais à alma
Todos temos algum tipo de lembrança complexa envolvendo nossa infância, especialmente relacionamentos familiares. Um dos problemas mais comuns é aquele que envolve a rivalidade entre um filho pródigo e seu pai. Quantos homens legais não procuram um terapeuta em busca de ajuda porque sempre se sentiram menos queridos do que acham que merecem pelas pessoas em geral e pelos íntimos em particular; estão sempre frustrados porque seus pais, quando vivos, não lhes davam o devido valor. Isso faz um mal terrível à auto-estima dessas criaturas, por vezes tristonhas e cabisbaixas quando poderiam se orgulhar de si e de seus feitos. Problemas dessa ordem, similares a outros que envolvem as relações entre mães e filhas e também rivalidades entre irmãos, são temas especialmente relacionados com a alma – indiretamente têm a ver com a sociedade que nos organizou em famílias e com o corpo que se beneficiou do acasalamento estável para maior chance de sobrevivência da prole. O entendimento de que emoções como ciúme, rivalidades e inveja podem e costumam estar presentes, e de forma predominante, nas relações familiares, ajuda muito a pessoa a se conciliar com sua própria história. Nesses casos, o tratamento é essencialmente psicodinâmico e os detalhes de tal tipo de trabalho são dificílimos de serem descritos em poucas palavras, se é que seria possível explicá-las se fosse o caso de escrever longamente sobre ele. O ideal é que cada um aprenda a realizar esse trabalho observando o modo de agir de um profissional mais experiente – que, ainda assim, terá que ser adequado ao modo de ser de cada terapeuta – ou então se submetendo a um processo psicoterapeutico.
Pessoas de boa formação moral podem vivenciar complexos conflitos quando seus valores entram em choque com os fatos reais ou com sentimentos muito fortes que nascem dentro delas. É o caso, por exemplo, de uma mulher casada e infeliz no matrimônio que se apaixone por outro homem. Caso ela seja portadora de conceitos éticos que impedem a infidelidade, estará diante de complicado dilema e de problemas para decidir o que fazer que podem levar a uma forte ansiedade, insônia e até mesmo depressão. Dilemas éticos podem acontecer também quando uma mãe tem que se relacionar com uma filha adolescente que se comporta de forma muito diversa daquela que ela aprendeu; isso tanto do ponto de vista de sua vida amorosa e sexual como, por exemplo, se ela decide seguir carreira profissional de natureza artística e isso implicar em se afastar precocemente de casa. As dúvidas surgem sempre que nossas crenças entram em crise e nesses momentos um trabalho psicoterapeutico de tipo psicodinâmico poderá ajudar a pessoa a encontrar novas e melhores formas de lidar com situações que também estão em permanente mudança. Ajudar as pessoas a desenvolver o “cérebro poroso” é tarefa de um terapeuta que também o possua.
Muitos homens se sentem incomodados, ameaçados e deprimidos quando suas esposas evoluem profissional e financeiramente mais que eles. Entram em crise e, não raro, passam a padecer de algum tipo de dificuldade sexual com elas. Não é incomum que procurem outras mulheres e mesmo que se envolvam com alguma que lhes pareça menos brilhante e menos ameaçadora. Vivem um dilema enorme, pois admiram suas esposas mais que suas amantes mas não conseguem com as esposas a realização sexual que experimentam com elas. Assuntos novos, que rompem velhas crenças e que exigem soluções novas. Tema para psicoterapia dinâmica e oportunidade para maior evolução emocional e mesmo moral. Outras vezes são as mulheres que não sabem se deixam sua carreira de sucesso prosperar porque temem perder seus maridos, que poderiam ficar invejosos e inseguros com o avanço delas. Quantos assuntos podem atormentar a alma! É claro que esses temas têm a ver com o social, mas não com a sociedade atual e sim com o que era a vida familiar até algumas décadas atás, de modo que fazem mais do que tudo parte de nossas crenças, importante ingrediente de nossa subjetividade.
Os dilemas de ordem sentimental ocupam espaço importantíssimo em nossa alma. Temos medo de nos ligar muito intensamente às pessoas, ao mesmo tempo que temos medo de ficarmos sozinhos. Temos vontade de nos dar bem com nossos pares, mas parece que nos irritamos particularmente com os defeitos deles – é como se eles não os pudessem ter; e mais, chamamos de defeitos aquilo que é diferente do que somos, de modo que nos colocamos como referência de perfeição. O mais curioso é que os escolhemos exatamente por serem como são, de modo que os defeitos nos convinham porque garantiam determinado distanciamento, um encaixe imperfeito que resolvia outros medos relacionados com a plena fusão. Adolescentes sempre se interessam por aqueles que não estão interessados neles; tal procedimento não raramente se estende ao longo da vida, especialmente de mulheres que, ao que tudo indica, não querem se casar, mas não aceitam que essa seja a sua verdade íntima. Ou seja, muitas vezes nos enganamos a respeito de nossas intenções, de modo que um bom modo de sabermos o que exatamente queremos é verificarmos o que, de fato, estamos fazendo e não tanto aquilo que estamos pensando ou desejando.Gostaria de salientar ainda mais um assunto, extremamente comum, entre tantos outros que poderia apontar. Trata-se daquilo que se chama de hipocondria, ou seja, um medo crônico e indevido de doenças. O medo é indevido porque a pessoa já esteve se consultando com vários médicos e não se convenceu de que não é portadora de nenhuma doença. Insiste em que passa mal, que sente dores no peito, tonturas, sensações de desmaio iminente, palpitações, extra-sístoles, dores fortíssimas no estômago, diarréia e tudo o mais que podemos sentir quando estamos em pânico. O curioso e importante a ser observado acerca desses casos é que tais pessoas nunca estão efetivamente doentes – aliás, se passam por algum problema físico efetivo, imediatamente param de se queixar dos sintomas próprios da hipocondria. A análise da história de vida dessas pessoas não dá indícios de que a hipocondria seja devida a causas prévias, nem mesmo se explicam em virtude de conflitos e dramas que estejam vivendo atualmente. A regra é que o indivíduo se torne hipocondríaco em algum bom momento de sua vida. Isso é importante para que reflitamos que nossa alma pode se desequilibrar também por motivos positivos, o que não creio que aconteça com o corpo. Nos assustamos quando estamos muito bem, muito felizes. Já disse que parece que isso atrai algum tipo de tragédia, que provoca a ira dos deuses e a inveja dos humanos. O que fazemos? Destruímos, por conta própria, uma boa parte de nossa felicidade por meio da produção de sintomas desagradáveis e medo terrível de que iremos morrer em breve. O mecanismo faz parte do que chamo de medo da felicidade e que é um dos componentes a serem sempre considerados quando estamos diante de questões relacionadas com a alma. Temos medo porque não temos controle sobre as variáveis fundamentais de nossa vida e é essencial que aprendamos a nos posicionar com humildade diante desse fato. Temos que aprender a lidar melhor com a real condição humana, de desamparo e também de relativa insignificância. Esses são grandes problemas para a alma e alguns dos fundamentais temas para os psicoterapeutas em sua vertente psicodinâmica.
Reafirmo a importância, em todos os casos de psicoterapia psicodinâmica, de tentarmos constituir um foco, uma meta definida a ser perseguida. No caso das fobias e outras questões relacionadas com o corpo, o objetivo é claro e se mostra por si. Nos outros casos, é preciso focar ou na questão da auto-estima, no dilema moral e a necessidade de superar nosso ponto de vista para poder dar solução àquele dado problema prático, no medo da felicidade, na dócil aceitação de que não temos mesmo controle sobre as variáveis fundamentais, e assim por diante. Qualquer avanço em uma área costuma se expandir para as outras. Aquela que mais se beneficia de qualquer avanço íntimo é a das relações interpessoais. O trato com os “outros” melhora sempre que estamos melhor conosco, a não ser naqueles poucos casos em que o problema fundamental tenha a ver com isso – crianças que foram rejeitadas por colegas na escola porque eram diferentes da média, estrangeiros que mudam de país e têm dificuldades com a nova língua etc.