Quando chega a idade da razão
por Flávio Gikovate em PsicologiaAtualizado em 21/07/2006 11:30:27
Uma das causas do chamado conflito de gerações reside no fato de os jovens serem quase sempre idealistas e dispostos a se sacrificarem para a obtenção de um mundo melhor. Com o passar dos anos, porém, a maioria vai se tornando mais realista, mais preocupada em resolver suas questões pessoais e com menos entusiasmo para se dedicar à comunidade. Se, por um lado, simpatizamos com os jovens que se mostram revolucionários e desprendidos, por outro, consideramos inadequadas as pessoas que, depois da maturidade, persistem em manter tal comportamento. Acredito que essa aparente contradição encerre uma boa dose de verdade e mereça ser analisada mais profundamente.
Os melhores jovens, aqueles que se entristecem ao observar as desigualdades sociais e a miséria humana, se tomam presa fácil das idéias que apontam para uma solução rápida. Correntes religiosas ou políticas desse tipo sensibilizam e conquistam a mocidade. Aí surge outro ingrediente, bem conhecido por todos nós: a vaidade. O jovem "veste a pele" do herói e se sente especial, porque luta por causas tão nobres. Ele se exibe e se destaca, o que satisfaz seus prazeres eróticos ligados à vaidade, mas o faz em nome da justiça.
O aspecto mais importante dessas ideologias é que partem do seguinte princípio: a vontade das pessoas trará a mudança pretendida. A meu ver, seus adeptos defendem uma idéia, sem se preocupar em saber se ela é viável ou não. Infelizmente, quase sempre se trata de causas impossíveis, porque esbarram em algumas características biológicas de nossa espécie. Apenas para exemplificar: não adianta lutar pela igualdade, quando é óbvio que somos todos desiguais; não adianta perdoar nossos agressores, se não vier do coração. As belas idéias se baseiam em conceitos e não em fatos, ou seja, se a realidade não estiver de acordo com o que a gente pensa, dane-se a realidade! Antes pudéssemos fazer isso... É evidente, porém, que só o espírito jovem e onipotente consegue ter uma visão tão utópica e linear da vida.
A onipotência nesse caso significa imaginar que seremos capazes de adaptar o mundo às nossas idéias, convicções e vontades. Unidos, teremos força para varrer a dor e a miséria da face da Terra. A partir dessas premissas, o jovem passa a ter certeza de que todos os obstáculos serão superados e o bem prevalecerá sobre o mal.
Tais teorias mostram bons sentimentos e, à primeira vista, parecem muito bonitas. No entanto, não primam pelo bom senso e pela lógica. Todo o processo mental é incrivelmente pretensioso e arrogante. Cada ser humano precisa se adaptar aos fatos da vida, mesmo quando são menos atraentes que nossos ideais. Teremos de aceitar a realidade, pois este é o melhor mundo que o homem foi capaz de construir até o presente momento. A conclusão poderá decepcionar os que sonharam com utopias. Ao comparar fatos verdadeiros com falsas idéias, passarão a detestar os fatos. O erro, porém, está na impropriedade da comparação.
De qualquer forma, com o passar dos anos, vamos amadurecendo emocionalmente, vamos nos tornando menos onipotentes e mais humildes. Percebemos que nosso papel na história é mais modesto do que pensávamos. Acabamos substituindo belas idéias falsas por fatos concretos, que não são belos nem feios; são apenas fatos. Aprendemos a respeitar a realidade, a nos relacionar com ela, a nos adaptar. Percebemos que as coisas se modificam muito lentamente: não em função de nossa vontade, mas sim em virtude de complicados processos sociais. Compreendemos os limites que a biologia impõe às mudanças. Ao parar de brigar com a vida, passamos a navegar a favor da correnteza. Se pudermos interferir em algo, o faremos, tendo consciência de que será uma modesta contribuição e não um ato heróico. Se quisermos chamar essa atitude de "acomodação", tudo bem. Pessoalmente, acho que se trata de uma visão mais madura e adequada da vida. A idade da razão tem suas compensações.