Querer é poder ?!
por Luís Vasconcellos em PsicologiaAtualizado em 19/06/2000 22:28:20
Quando pensamos que a organização do casal é um arranjo econômico e que a energia($$) tem que ser disciplinada para fluir vemos que a tradição resolveu isso muito bem: apenas o homem era produtivo e apenas ele, como cabeça da família e do casal, podia tomar decisões e dirigir a energia para onde melhor lhe aprouvesse. Naturalmente os objetivos de toda a família, seus desejos e possibilidades existenciais dependiam destas decisões que emanavam, na falta de melhor denominação, do poder central (centralizador!) masculino. Deste modo o conflito e a discórdia estavam afastados. Alguém podia (o homem) e alguém dependia (a mulher).
Quando o casal moderno se vê diante da contingência de decidir que rumos deve tomar a energia ($$) percebe que a divisão de tarefas e de responsabilidades é hoje muito mais difícil e complicada. Muitas vezes o salário dela é maior que o dele e hoje sabemos, a mulher é responsável pela compra de toda a família, muito mais do que o homem.
Antigamente a mulher recebia uma quantia e tinha que tirar dali o sustento de todos para um determinado período. O homem decidia, às vezes bem outras vezes mal, qual podia ser este montante. Como ele não detinha as informações práticas, podia ser iludido em questões de orçamentos e despesas, o que propiciava à mulher o poder que lhe havia sido roubado: ou seja, cada qual estava escondido em seu papel e a natureza tinha opção para entrar e fazer acontecer coisas em um âmbito intermediário entre as especializações de papel de um e de outro. Este espaço hoje não existe mais.
Hoje discute-se a dois a questão: quem pode ou deve gastar o $$ e no que; quem tem poder de veto; quem pode gastar consigo mesmo; o que é trair os compromissos conjugados e o que é andar dentro do contrato conjugal em assuntos de despesas em geral.
De modo geral a questão se ancora no âmbito do desejo, como sendo um fator pessoal, pois cada um de nós desenvolve maneiras pessoais de lidar com frustrações, adiamentos, protelações e mudanças de última hora nos planos desejados. Variamos enormemente quanto à flexibilidade neste assunto.
Em um casal hipotético Ela é muito explícita quando se trata de desejo e de impulso. Quando ela já fechou questão em torno de uma decisão ancorada em um desejo Ele sente ser inútil qualquer intervenção pois dá briga na certa. Está implícito que ele não pode impedir nada e, cabe-lhe o papel secundário daquele que corrobora uma decisão em torno da qual ele nada deliberou. Assim fica parecendo que ele concordou e está tudo bem. Desde, é claro, que o que ela decidiu comprar seja comprado e ponto. Antes ela o consulta para ter sua anuência e o seu aval (não vá reclamar depois, heim?!). Ele, bem mais mental, é capaz de lidar com seu desejo e se desidentificar dele ou mesmo adia-lo indefinidamente (ou seja, ele precisa melhorar sua conexão com os próprios desejos), senão a opinião forte dela irá sempre imperar. Para Ela, o modo como Ele explicita desejo não marca nem chama atenção, não é nem percebida como tal, pois ela está acostumada a manifestar desejo com cargas afetivas que signifiquem ser uma questão de vida ou de morte, onde a negociação é mínima e a firmeza tem que ser máxima. Logicamente aquele que tem algum "jogo de cintura" paga o preço da frustração.
O problema neste exemplo é a possibilidade do casal se estabilizar em uma especialização de papel, fixando rigidamente as regras do jogo, o que sempre ocorre, assim como em qualquer outra área da vida, estigmatizando ambos os lados em uma contenda de poder, onde, ao final, só existirão frustrados e magoados.
Para não precisar adap-tações novas, necessitamos repetir e repetir nossos hábitos, rotinas, nosso "conhecido", nosso âmbito de ser já familiar, ao qual denominamos de EU. É duro reconhecer que este é apenas o nosso nada disfarçado robô interiorizado, o fruto acabado da organiza-ção e estruturação de nossas manias, mais o concurso inestimável de nosso apego e fixação às mesmas.