Quero ser feliz novamente
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 08/04/2020 11:35:18
Paula estava na frente da televisão vendo um programa qualquer, mas não estava olhando a tela. Estava olhando atrás dela. Olhava a janela. Podia ver outros prédios, algumas janelas, casas ao longe e, lá no fundo, o céu. Muito, muito azul. Não conseguia parar de olhar aquela imensidão. Até onde iria aquele azul? Quanto tempo aquela imensidão estava ali antes dela? Quanto tempo ficaria depois que ela se fosse? Como tudo era grande... Como ela era pequena e minúscula perante tudo aquilo. Após esta tomada repentina de consciência, uma enxurrada de novos pensamentos e sensações espontaneamente a invadiu.
Pensou em como seu tempo era curto em relação ao todo!
Assustada, questionava-se: o que estava fazendo com a sua própria vida? Estava paralisada e, pior, desperdiçando seu escasso tempo na Terra vendo televisão e pensando em qual comida descongelaria. Definitivamente, essa não era a vida que ela havia projetado para si mesma.
Levantou-se lentamente. Não queria quebrar aquele momento no qual, depois de muitos dias, estava deixando de ser apática. Não queria também se criticar. Queria apenas trocar de roupa e sair, mas até isso era um martírio, pois pensava sempre no que Robson acharia sobre suas escolhas. Mas não naquele dia. Optou por um conjunto simples que não exigisse muita força de pensamento. Não queria quebrar aquele frágil e importante momento.
A algumas quadras do apartamento de Paula havia uma pracinha. Paula transpassou o portão receosa, como se ela estivesse chegando em uma festa para a qual não havia sido convidada e a que qualquer momento alguém fosse pedir que se retirasse. Sentou-se num banco de cimento e observou o ambiente à sua volta. Crianças. Muitas crianças se divertindo nos brinquedos. Escorregadores, gangorras, balanços. Paula fechou os olhos, deixou o sol invadir seu rosto concentrando-se naquele som. Os gritinhos pareciam música. Como aqueles seres humanos poderiam estar tão felizes? E ela? Ela, aparentemente sem preocupações, tinha alguém cuidando dela, mas estava infeliz.
Muitos pensamentos. Paula não queria raciocinar. Naquele momento, queria só ouvir o som das crianças. Queria compartilhar daquela felicidade. Queria ser feliz novamente.
E por que não podia ser? O que a atrapalhava? Estava bem de saúde, era uma mulher inteligente, batalhadora e tinha um companheiro que gostava dela, que a amava. Mas apesar de toda essa conclusão, a sensação era a de que havia fracassado.
Esqueça o passado, pensou ela. Aquelas crianças não pensavam no passado. Estavam sendo felizes apenas vivendo aquele momento.
Estava decidido, a partir de agora ela sentiria novamente a sua vida pulsar!
O que fazer? Por onde começar?
Após essa decisão, Paula sentia suas forças se renovarem. Precisava se organizar, para tanto, falaria com Robson à noite e perguntaria sobre o emprego prometido. Não precisaria ser algo grande. Começaria por baixo e aos poucos mostraria sua competência. Ela sabia como convencer as pessoas e Robson seria sua porta de entrada. Estava tão feliz por tê-lo ao seu lado. Como ele tinha aguentado tanto tempo com ela depressiva daquele jeito? Recriminou-se. Naquele momento não devia pensar no passado. O que importava era que os dois estavam juntos. Ela o receberia à noite como uma mulher renovada. Prepararia um jantar. Isso. Paula, uma mulher disposta, romântica e que ama o companheiro.
Desta vez, foi Robson que teve uma surpresa ao chegar em casa. Imaginava que a esposa estaria ou deitada ou vendo televisão, mas não estava. Um cheiro diferente invadiu suas narinas. A mesa estava posta com detalhes românticos e Paula o recebeu vestida com uma roupa sensual, dando-lhe um beijo sedutor. Ele sorriu forçadamente questionando sobre o que estaria acontecendo.
- Nada. Sou uma nova mulher - disse Paula em meio a um enorme sorriso.
.....
- Para o seu bem. Eu quero te chamar à realidade - comentou Robson.
Você não entende, mas eu faço isso porque eu te amo. Pense bem. Você faz o seu currículo, fica empolgada e depois, quando receber um monte de "nãos", ficará muito mais deprimida do que já está. Agora preste atenção. Foco. Se você estivesse selecionando candidatos a um novo emprego, você aceitaria um currículo como o seu? De uma mulher que, embora em algum momento tenha sido competente, na sequência, mostrou-se insegura não aguentando pressões e por consequência disso acabou sendo demitida.
- Pare com isso - Paula suplicava.
- Você aceitaria o seu currículo?
- Robson, por favor. (lágrimas já escorriam pelo seu rosto)
- Seja realista Paula!
- Eu...
- Responda.
Sua voz saiu embargada, resignada e derrotada.
- Não.
Robson sorriu. Um sorriso aparentemente triste, porém, triunfante, com um fundo de satisfação por ser o dono de uma verdade incontestável. Sua avaliação confirmava que estava diante de uma pessoa sem capacidade para nada. No canto de seus lábios, um sorriso de pena e por dentro uma sutil sensação de posse, de poder e de cuidador...
De rejubilo.
- É para o seu bem, meu amor. Você tem que encarar a realidade. Não está bem, deixe que eu cuide de você. Com o tempo e aos poucos você retoma sua vida. Você está indo bem, minha querida, não tem do que reclamar. Está sendo cuidada e protegida dentro da nossa casa.
Paula olhava seu prato. Não tinha vontade de dizer mais nada.
Robson deu uma garfada e encheu a boca como se nada tivesse acontecido.
(Trecho do livro Sequestradores de Almas, de Silvia Malamud)