Você acredita no amor ideal?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 08/04/2020 11:35:28
Num tempo onde questões sobre abuso emocional imperam como se fossem vírus capazes de a cada dia contaminarem novas vítimas, a vacina e o antídoto mais eficiente passam a ser conhecimento sobre o tema, autoconhecimento, e quando necessário, uma boa terapia.
Todos nós, irremediavelmente, interpretamos o amor ideal como se alguém no mundo tivesse nascido exclusivamente para nós. A ideia inventada é que somente quando encontramos o tal amor verdadeiro é que poderíamos ser felizes para sempre, exatamente como ocorre nos contos de fadas. Por conta desse tal amor ideal, a maioria de nós tende a olhar para o outro como se este não tivesse falha alguma, ou por outro lado, vê infinitas falhas, exatamente porque o amor idealizado nunca de fato chega a existir no mundo da matéria. Muitos de nós, para não dizer, a maioria, acredita cegamente nas variáveis dessa crença romântica.
Somos tão e há tanto tempo bombardeados por este conceito inventado, que e é quase impossível encontrar alguém descontaminando deste padrão. Por outro lado, hoje mais do que nunca, existem pessoas imunes, que despertaram dessa trama aprisionante onde invariavelmente um acaba se submetendo ao outro por que um fica sendo ao amor ideal, e o outro não.
Na nossa era, onde o narcisismo impera, muitos ainda caem no conto desse amor ideal, na exuberante cilada da falta de discernimento onde acham que inclusive os relacionamentos afetivos podem fazer parte de cenários espetaculares a serem admirados. Nessa busca desenfreada pelo máximo do momento, o risco de se entrar em relacionamentos abusivos é enorme.
Embora a maioria insiste em acreditar que sim, as evidências da vida nos mostram ininterruptamente de que a nossa verdadeira felicidade não está e nunca poderá estar nãos mãos de ninguém. O amor ideal, portanto, é uma invenção e uma convenção social que pode ser questionada e reinventada de acordo com a individualidade de cada um.
Numa pesquisa histórica, podemos observar que a forma e o amor que temos hoje, é bastante distinto de tudo o que já existiu. Observando algumas tribos indígenas, por exemplo, claramente poderemos notar que os laços afetivos que os unem variam de modo estonteante, dependendo da tribo e da época em que se encontram.
Pode parecer impossível pensar no amor de modo diferente do usual romântico de se viver feliz para sempre, porque vemos o nosso modelo afetivo como algo imutável e quase sagrado, mas ainda assim, estamos mergulhados na construção de uma época. A boa notícia é que pouco a pouco, pessoas e mais pessoas estão despertando e se libertando dessa ditadura sobre o amor ideal que fazem parceiros aceitarem tudo em nome desse suposto romantismo. Estarmos em pleno século XXI e muitos ao nosso redor dão indícios de tratar o amor de modo bastante diferente do que aprenderam.
- Amar não é e nem precisa ser igual para todos.
Na ideologia do amor, a lei é que é impossível ser feliz sozinho. Sem uma parceria afetiva a vida estaria fadada ao fracasso. Em nossa atualidade, porém, podemos ousar pensar de modo diferente, temos espaço e liberdade para nos experimentarmos muito além das referências aprendidas.
Vemos direto pelas mídias que ter um relacionamento afetivo não é exemplo de felicidade. Ninguém garante isso e o que mais recebo em meu consultório são pessoas vítimas de abusadores que apesar de todo o mal-estar sofrido, ainda acreditaram que relacionamentos terríveis dessa ordem poderiam magicamente se transformar em relacionamentos ideais. Um grande engano que adoece quem antes não era adoecido. Estar com alguém definitivamente não é garantia de felicidade. Todos nós sabemos disso, mas insistimos em acreditar que namorando ou casando resolveremos a nossa vida, mas a vida insiste em nos mostrar que não isso não é real.
Vemos pessoas e mais pessoas que aparentemente estão em namoros ou casamentos supostamente ideais e mesmo assim não se sentem plenos ou felizes, e não são poucos os que entram em crise e literalmente perdem o sentido da vida.
A lição mais contundente de todo este cenário é que as nossas questões emocionais e existenciais não se resolvem com o uso de "muletas" externas e que a viagem da transformação interior sempre começa dentro e não fora.
Na era do narcisismo, toda sorte de dor e de desespero é lançada quando se tenta além do espetáculo, tapar o vazio da falta de consistência e de amor próprio com a promessa da felicidade no amor idealizado. A invenção de que o amor ideal as farão se sentirem inteiras, pouco mais à frente trará toda sorte de infelicidade, porque na verdade ninguém tem o poder de preencher o outro em sua identidade e destino.
Caminhar juntos, ora unindo interesses, ora exercendo a liberdade de ser de existir na própria individualidade, revigora, faz crescer e traz autoconhecimento indispensável para a eterna construção de si mesmo.
Quanto mais despertos, melhor!