Você sabe quem é quem na trama familiar da mãe abusiva?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 03/07/2020 00:20:35
O facilitador geralmente é o marido, mas também pode ser um filho escolhido que é subversiva e subterraneamente intimado a ajudar a mãe narcisista, em suas dinâmicas perversas.
O tal facilitador funciona como uma espécie de zelador no reino que a mãe narcisista perversa constrói. Este território é orquestrado de modo cruel e por conta da capacidade altamente manipuladora dessa mãe, qualquer espécie de confronto é brutalmente combatida.
Na configuração de família, existe o filho que é tido como a ovelha negra e apesar deste ser o mais insultado e o mais desqualificado, é o único que costuma enxergar o que se passa e, portanto, o único que ousa questionar e por vezes confrontar a mãe abusadora. Uma das hipóteses é que ela o possa ter escolhido com a finalidade de detoná-lo ao percebê-lo com a possibilidade de ficar lúcido dentro da trama. Toda vez que este filho ousar questionar sobre quais os motivos de sempre ser visto como o errado, como o vilão de situações injustas, se acaso indagar sobre os motivos de ser tão maltratado, ou mesmo se ela sabe qual a razão de tantas criticas a ele destinadas, enfrentará as piores e as mais devastadoras das iras narcísicas. Ofendida, ela ameaçará de ir embora, determinará que este filho vá, e como sempre faz, ameaçará as suas presas com mais humilhações, ainda fazendo uso de suas armas geradoras de sentimentos de desamparo, rejeição, desproteção e abandono, mesmo quando suas crias já se encontram adultas! Fará escândalos, cenas e mais cenas e como sempre, inverterá papeis, colocando-se como vítima.
Ela jamais assume a responsabilidade por qualquer infortúnio causado aos filhos e mesmo que haja muito sofrimento, a falta de empatia, as humilhações desmedidas e a punição da retirada total de atenção, ainda assim persistirá.
Nestas ocasiões, o filho escolhido, ou o marido omisso entra em cena, evidenciando uma aliança com a poderosa vilã da nossa historia, que de todas as formas abusa do lugar de poder culturalmente a ela oferecido.
A memória da mãe narcisista perversa é seletiva, ou seja, ela só lembra o que lhe convém, mas quando é para vitimizar-se ou para denegrir alguém, lembra-se de tudo em detalhes, inclusive colorindo historias e cenários com encenações e verdades inventadas.
O filho de ouro escolhido e que nesta trama também funciona como mais um abusador, não tem consciência de que também é um refém do que chamamos de estupro emocional. Estes na maioria das vezes se encontram bem mais comprometidos do que os bodes expiatórios e dificilmente conseguem saber que se encontram emocionalmente sequestrados. Tem enorme dificuldades, quando adultos, de seguiremcom a vida, tanto no âmbito profissional, como afetivo. A criança de ouro escolhida está presa sem conseguir crescer emocionalmente, a vida fica destruída, muitas vezes com problemas psiquiátricos e fazendo uso de drogas. Dificilmente, conseguirá concluir um curso superior, nem uma linha de vida, emocionalmente é totalmente subjugado e é tratado como um bibelô apenas para suprir as necessidades emocionais da mãe perversa, que também o transforma no marido perfeito.
Tem também o filho moderador, extremamente estrategista e também manipulador. Nas brigas em família, é o destinado para ser o equalizar do sistema, esforçando-se para falar com todos no intuito de amenizar humores e, claro, para ser bem visto pela mãe. O intuito real, porém, é que ele, como todos os outros, numa competição velada e inconsciente e cada um vestindo o seu papel, possam de algum modo obter algum olhar desta magnânima mãe, rainha poderosa. Estes posam de bons moços, mas também comprometidos emocionalmente, não costumam dar conta de fazer muita coisa na vida. Funcionam como eternos adolescentes encantados, aprendem a arte da sedução, podendo até ficarem casados por algum tempo, embora as relações afetivas não costumam ter sustentação, pois no fundo com quem eles permanecem casados mesmo é com a família de origem. Além de tudo, pelo enorme gasto de energia voltado para proteger a família, todo o resto vai ficando descartável. Muitos nem chegam a casar e outros vão pulando de relação em relação, ficando no máximo alguns poucos anos em cada, quando muito.
O pai e marido, quando também é laçado, ou fica omisso, ou briga, e por fim acaba saindo de casa por não dar conta de existir como pessoa dentro desse tipo trama. Muitas vezes falam com os filhos secretamente, dando-lhes razão, dizendo que a mãe é assim mesmo, mas pouco conseguem ajudar se não a enfrentam diretamente buscando uma saída saudável tanto para si mesmos quanto para os filhos. Em muitas ocasiões, porém, confundem e dificultam ainda mais a vida dos filhos sendo mais um facilitador da esposa. Infelizmente também estão como vítimas por ela manipulados, sentindo-se obrigados a seguirem o que é determinado com receio de perder o apoio e o sentimento de pertença.
Nesta trama, ainda podemos encontrar a criança invisível, que fica longe e à deriva da família, mas que vez por outra também recebe alguma crítica desqualificadora. A criança invisível não é vista, é ignorada e como consequência possui uma baixa autoestima insuportável somada a sentimentos de vazio interior. É a criança negada, a criança perdida. Às vezes, fica como se fosse adotada pelo pai omisso que por sua vez também faz uma espécie de incesto emocional, recebendo-a, em princípio, como a filha renegada e, na sequência, como a esposa substituta. Tenho histórias em consultório em que o pai vem a falecer e que a ira da mãe fica escancarada e direcionada para esta filha que, enfim, aparece e que não está mais encoberta por este pai. Nestas ocasiões, um tipo de expulsão velada, porém concreta, da família vai acontecendo até o ponto em que o contato fica totalmente inviável.
Outros filhos invisíveis, por uma questão de sobrevivência, acabam colando na identidade da mãe, para que de algum modo possam tê-las dentro de si e para que quando elas venham a falecer tomem o seu lugar no intuito inconsciente de poderem ter alguma visibilidade.
Estas também dificilmente se casam.
O narcisista não pode ficar numa posição de inferioridade, e de fragilidade nem pensar.
Quando se levanta algo, não admite os erros e jamais pede desculpa. O pai, marido omisso tem medo de perder a relação com ela, também se portando como refém.
Se a mãe narcisista não tivesse um facilitador, ela não seria nem a metade do que ela é, mas ela sabe orquestrar o seu território como ninguém, é muito poderosa e boa no que faz. Escolhe maridos frágeis ou muito comprometidos com a cultura do casamento, que erroneamente costumam ser nomeados de bonachões. Cria toda essa situação de modo muito preciso, como se ela tivesse um script na mente, uma estratégia onde se sinta bem. Tudo isso faz muito mal a quem estiver com ao seu lado, mas para ela é tudo de bom, sente-se poderosa às custas dos filhos. Projeta nos filhos, a gata borralheira, a criança invisível, o filho moderador, o pai omisso, o filho de ouro, o bode expiatório, ninguém escapa desta ditadura de terror, principalmente, os que nascem nesta trama. Gera competições desmedidas e divide para governar, para continuar em seu trono de rainha maligna.
A vida, porém, pode ser bastante diferente quando se conhece sobre o tema e quando se busca ajuda profissional, nestes casos, imprescindível.
Quanto mais despertos, melhor!