A CORUJA
Era uma coruja pequena, de uns vinte centímetros de altura e talvez quarenta de envergadura. Entrara à noite na sala de zazen e se empoleirou no altar.
As pessoas haviam ido para o Zazen de Iniciantes. Sentavam-se calados e imóveis, de face para uma parede clara, ouvindo os sons internos e externos, transcendendo o comum e o sagrado, indo além do pensar e do não-pensar, procurando acessar à sabedoria completa, àquele saber-conhecer-perceber profundo que nos coloca face a face com a Verdade. Contato direto com a realidade real da grande unidade. Indo além de conceitos e de pré-conceitos. Antes do pensar se iniciar, antes da dualidade se criar. Antes do dividir e escolher. Antes do separar e julgar. Quando tudo apenas é. E nesse ser se percebe o interser. Inter-relacionamentos perfeitos e sincrônicos na grande sinfonia do universo. Nós tão pequenos humanos. Tão sonhadores de uma grandeza à qual não alcançamos. O planeta Marte vermelho e brilhante deixou nosso céu mais vasto e nos fez pensar nos marcianos. Eles eram verdes na minha infância. A vida em Marte era uma fascinação. Discos Voadores – Objetos voadores não identificados. Até pensei ter visto um assim de relance, na curva do prédio. Mas era apenas a ponta do dirigível sobrevoando a cidade. Dirigível é muito lindo.
Será que somos dirigíveis? Quero dizer, será que podemos dirigir a nós mesmos? Ter acesso à central de controle de nossas vidas? Guiarmo-nos a nós mesmos? Ou será que somos dirigidos por alguém mais? Será que somos controlados por radares espaciais?
Será que as propagandas, revistas, televisões, modas e padrões determinam nossas opções? Estas e outras questões podem surgir nos momentos sentados quietos imóveis sedentos do encontro sagrado com o mais sagrado. Penetrar a origem da mente, a origem do ser, a origem da vida comum a toda a vida, a nossa própria mente procurando a mente, a própria vida procurando a vida. O que não nasce nem morre, que se revolve e transmuta, transforma e reforma incessantemente.
A coruja pequena marrom e cinzenta de olhos grandes e bico pequeno empoleirada no canto do altar. Voou baixo perto das cabeças dos que sentados estavam, em zazen entregados. Bateu a cabeça no vidro da porta. Estonteada voou para o outro lado. Bateu na parede e se sentou. Assentada ficou a coruja também. Será que meditava? Olhos semicerrados procurando o sagrado?
Meditar é um verbo transitivo que requer um objeto. Meditar sobre a vida. Meditar sobre as obras do Senhor. Meditar sobre suas ações. Mas também existe um meditar intransitivo, meditar a meditação meditando, sem objeto, sem objetivo, sem nada. A qual meditação se entregava a ave perdida na sala encontrada?
Nós outros, humanos, nos regozijamos, pois a coruja também simboliza a grande sabedoria que ali na sala se encontraria. Teria ela, a sabedoria, vindo nos visitar? Olhos enormes, que vê no escuro.
Que tesouro poder tudo ver compreender. Adeus aos rancores e tantos temores. Sabedoria brilhante, irradiante.
Os meditadores se levantaram e se foram alegres com o bom presságio. Fiquei encantada e preocupada em como lidar com a coruja na sala. Escurecemos o ambiente, deixando a luz de fora acesa, para que ela encontrasse o caminho da volta. Volta para onde? De onde viera a coruja tão pequena e tão bela? Teria fugido de alguma morada? Teria um ninho, uma árvore, uma casa? Seria sem teto? E o céu não é nada? Depois de momentos ela voou. Tão lindo vê-la de asas abertas. Obrigada, amiga, por sua visita.
Qual o objetivo do Zen? - me pergunta alguém.
Encontrar o sagrado secreto.
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Aproveite e leia o conto: Uma Coruja Branca...
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