A infância termina, a brincadeira não
Meu sonho era ter rugas, papada, cabelos brancos e uma sabedoria de fogão à lenha: contar minha vida como se ela nunca fosse terminar. Invejava o privilégio dos pais, que ficavam conversando até tarde. Eu tinha que dormir rigorosamente às 21h. Saía na melhor parte das histórias. Debaixo das cobertas, tentava discernir o assunto, mas me perdia no cansaço. Cada gargalhada que surgia da sala me acordava e produzia em mim a sensação de não ter sido convidado para festa. Ansiava fazer parte da insônia misteriosa da gente grande. Quem não se sentiu assim?
A inveja é uma maneira de dizer que admirava. Minha ambição era crescer logo, tanto que na parede da cozinha o pai arrumou uma régua gigante para medir a altura dos filhos. Marcava com lápis verde-musgo os avanços da noite, dos meses, dos anos.
Lembro da primeira vez que andei de bicicleta, da minha primeira gravata, da minha primeira gilete para tirar o bigode, em que o pai emprestou seu pincel e criou espuma e ardeu um novo mundo em minha pele, lembro quando minha mãe me convidou a dirigir o carro, quando sentei na cabeceira da mesa do restaurante. Pequenos reconhecimentos que me estimulavam a ir adiante com convicção.
Hoje as crianças não querem crescer e os pais decidiram ser adolescentes de novo.
Não há mais adultos no mundo. Ninguém mais pede para ser adulto. O tempo parou afetivamente e raros são os corajosos que desejam envelhecer.
Nem dependo do sexto sentido para descobrir a resposta. Os adultos só falam mal de sua maturidade. Vivem reclamando, reclamam vivendo.
Os filhos recebem de nós uma visão triste e doentia da responsabilidade. Ser adulto virou sinônimo de trabalhar dois turnos, sem direito a trégua, incomodação, enxaqueca, ausência de dinheiro, separação. Não vejo nenhum amigo argumentando ao seu filho que amadurecer é ser amigo da alegria. Ou no mínimo seu vizinho.
Não duvido que as crianças logo desabafem: ”quando crescer, serei tudo, menos adulto”.
A rejeição foi criada pelos próprios pais, que teimam em voltar para a infância quando deveriam abandoná-la. Pelo medo da independência dos filhos, retardam os rituais de passagem.
Não é o que eu faço que me torna importante, é o modo como faço. A profissão é de menos, procuro mostrar onde trabalho para meus filhos, explico o que estou cumprindo, lembro de causos e trapalhadas.
Nada de um minutinho e depois eu ligo. Nada de isolar o assunto e sentir vergonha porque se recebe pouco ou não se é conhecido. Fale no momento da pergunta. Partilhe as dúvidas que são melhores do que as certezas incomunicáveis.
Quando brinco com meu filho, eu sei que ele é a criança. Quando meu filho brinca comigo, ele tem a noção de que sou o adulto. Um dia ele vai ser o adulto e eu, o velhinho. Um dia ele vai ser pai e eu, o avô.
Ao prepará-lo para aula, inventei de comentar que a infância é um casaco com forro peludo. Ele replicou que ser adulto é apenas virar o casaco para usá-lo.
- O casaco continua igual, só mudou o lado, completou.
Foi bom ter crescido.
Por: Fabrício Carpinejar
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